A Vida Mística de Francisco e Jacinta de
Fátima
Dom Lourenço Fleichman OSB
Lúcia, Jacinta e Francisco eram,
antes de 1916, crianças católicas do vilarejo de Aljustrel, na diocese de
Leiria, Portugal. Brincavam como todas as crianças, gostavam de jogos e de dançar
animados, enquanto pastoreavam as ovelhas da família. Viviam um catolicismo
verdadeiro, porém como muitas crianças, limitavam-se ao mínimo necessário. Lúcia
conta que às vezes, para que o terço passasse mais depressa, em vez de rezar
as orações completas, limitavam-se a dizer: Pai Nosso, Ave Maria, Ave Maria,
Ave Maria.... Ora, para que estas alminhas, inocentes e comuns, pudessem ter a
honra de ver Nossa Senhora, um anjo lhes aparecerá por três vezes, fazendo
dessas crianças verdadeiras almas de oração.
Vamos acompanhar a transformação.
Estamos em 1916.
Na primavera deste ano (março ou
abril), Lúcia, Jacinta e Francisco estavam na Loca do Cabeço pastoreando as
ovelhas quando viram um ser luminoso vindo em sua direção. Ele tinha os traços
de um rapaz de 14 a 15 anos. O anjo lhes disse:
«Não tenham medo. Rezem
comigo».
E num gesto de grande
familiaridade e simplicidade, pôs-se ao lado das crianças e prostrando-se com o
rosto por terra disse esta oração:
«Meu Deus eu creio, adoro,
espero e amo-Vos; peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não
esperam e Vos não amam.
Orai assim; os Corações de
Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas»
(2ª Memória).
E o anjo desapareceu.
Esta primeira aparição do anjo foi como uma aproximação do sobrenatural na vida das crianças. Servirá para familiariza-las com os seres e os costumes do céu: a adoração, os atos de fé, esperança e caridade, a reparação e o nome de Deus, deste Deus atento às suas súplicas. A própria Lúcia, na 4ª Memória, dirá que «Levados por um movimento sobrenatural, imitamo-lo e repetimos as palavras que o ouvimos pronunciar».
Nossos pastorinhos, doravante alunos do céu, sentirão imediatamente o peso da presença da vida sobrenatural. Passarão vários dias num estado de abatimento físico, de recolhimento, de um silêncio difícil de ser rompido e principalmente de paz interior.
«Acontece, porém, ainda depois de passado, ficar a vontade tão embebida e o entendimento tão absorto, que assim permanecem o dia todo e até vários dias...Quando volta a si, está com tão imensos lucros e tem em tão pouco as coisas da terra que todas lhe parecem cisco em comparação do que viu. Daí em diante vive muito penada, e tudo o que lhe costumava causar prazer não lhe infunde a menor consolação.» - Sta Tereza d'Avila, Castelo Interior, Sextas Moradas, cap. IV e V |
Tinham dificuldade de brincar, de
falar e até mesmo de se mover. Daí em diante eles passarão várias horas em
oração, prostrados como o amigo do céu, repetindo: Meu Deus eu creio,
adoro, espero e vos amo.... Só muitos dias depois que este estado de alma
diminuirá pouco a pouco.
Eis como nos conta Lúcia, na 4ª
Memória:
«A atmosfera do sobrenatural,
que nos envolveu era tão intensa que quase não nos dávamos conta da própria
existência, por um grande espaço de tempo, permanecendo na posição em que
nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração. A presença de Deus
sentia-se tão intensa e íntima, que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a
falar. No dia seguinte, sentíamos o espírito ainda envolvido por essa
atmosfera, que só muito lentamente foi desaparecendo. Nesta aparição,
nenhum pensou em falar, nem em recomendar segredo. Ela de si o impôs. Era tão
íntima, que não era fácil pronunciar sobre ela a menor palavra. Fez-nos
talvez também maior impressão por ser a primeira assim manifesta».
A segunda aparição foi no verão
deste mesmo ano (julho ou agosto). Será a segunda lição de vida sobrenatural,
centrada sobre o espírito de sacrifício. Após lhes dizer para rezar muito, o
anjo acrescenta:
– Os Corações Santíssimos de
Jesus e Maria têm sobre vós desígnios
de misericórdia. E acrescenta: Oferecei constantemente ao Altíssimo
orações e sacrifícios.
– Como nos havemos de
sacrificar? pergunta Lucia.
– De tudo o que puderes
oferecei a Deus sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele é
ofendido, e súplica pela conversão dos pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa
Pátria a Paz....sobretudo aceitai e suportai com submissão os sofrimento que o
Senhor vos enviar. (2ª Memória)
Eis, então, que Deus pede a Lúcia
e seus companheiros muito mais do que na primeira vez. É normal que eles tenham
perguntado ao anjo como se sacrificar. Para crianças daquela idade a palavra
sacrifício tem um sentido limitado, infantil. Deus queria que eles fossem além.
Por isso o anjo lhes ensina a se sacrificar, e traz para eles algumas noções
até então ignoradas: ato de reparação pelos pecados, súplica pela conversão
dos pecadores, aceitação das cruzes que Deus nos envia.
Que impressão causou esta nova
lição do anjo, em suas almas? Lúcia nos conta:
«Estas palavras do Anjo
gravaram-se em nosso espírito, como uma luz que nos fazia compreender quem era
Deus; como nos amava e queria ser amado; o valor do sacrifício, e como ele lhe
era agradável; como, por atenção a ele, convertia os pecadores. Por isso,
desde esse momento começamos a oferecer ao Senhor tudo o que nos mortificava,
mas sem discorrermos a procurar outras mortificações ou penitências, exceto a
de passarmos horas seguidas prostrados por terra, repetindo a oração que o
Anjo nos tinha ensinado». (4ª Memória)
Vemos neste texto a origem da
grande mortificação das três crianças. Ela não nasceu de uma vontade mórbida
qualquer, de um fanatismo fabricado pela imaginação; ela não lhes foi
inspirada por nenhum sacerdote exagerado. A luz divina que invadiu suas almas as
levou com mansidão e naturalidade a um conhecimento tal da vida divina, do
olhar de Deus sobre nós, que eles não conseguiriam mais viver sem este espírito
e prática do sacrifício reparador.
É de se notar que os efeitos da
primeira aparição limitam-se a um estado de alma por certa presença do
sobrenatural. Nesta, trata-se de um verdadeiro conhecimento de Deus e de seu
relacionamento com suas almas.
Por aí
se vê que é impossível proceder da imaginação. Também não pode ser obra
do demônio, pois não tem ele poder para apresentar coisas que tanta operação
e paz e sossego e aproveitamento produzem na alma. Especialmente três são os
frutos que deixa em subido grau. |
Primeiro: conhecimento
da grandeza de Deus, a qual se nos dá a entender na medida das luzes maiores
que temos sobre Ele. |
Segundo:
conhecimento próprio e humildade, ao ver como criatura tão baixa em
comparação do Criador de tantas grandezas, ousou ofendê-lo; até mesmo não
sabe como se atreve a por nele os olhos. |
Terceiro: baixo apreço de todas as coisas da terra, com exceção das que lhe podem ser úteis para serviço de tão grande Deus. - Sta Tereza d'Avila, Castelo Interior, Sextas Moradas, cap. V |
A terceira aparição do Anjo
levará a formação espiritual das crianças a um ponto altíssimo, onde a própria
comunhão eucarística marcará a Caridade que Deus lhes comunica.
Estavam eles numa gruta de difícil
acesso, para rezar escondidos. Estavam assim, prostrados, repetindo a oração
do Anjo: "Meu Deus eu creio, adoro...etc."
«Não sei quantas vezes tínhamos
repetido esta oração, quando vemos que sobre nós bilha uma luz desconhecida.
Erguemo-nos para ver o que se passava, e vemos o Anjo, tendo na mão esquerda um
cálice, sobre o qual está suspensa uma Hóstia, da qual caem algumas gotas de
sangue dentro do cálice. O Anjo deixa suspenso no ar o cálice, ajoelha junto
de nós e faz-nos repetir três vezes:
–
Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo,
ofereço-Vos o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo,
presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios
e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu
Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão
dos pobres pecadores.
Depois levanta-se, toma em suas mãos
o cálice e a Hóstia. Dá-me a Sagrada Hóstia a mim, e o Sangue do cálice
dividiu-O pela Jacinta e o Francisco, dizendo ao mesmo tempo: – Tomai e bebei
o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens
ingratos! Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus. E prostrando-se de
novo em terra, repetiu conosco outras três vezes a mesma oração e
desapareceu. Nós permanecemos na
mesma atitude, repetindo sempre as mesmas palavras, e quando nos erguemos vimos
que era noite, e por isso horas de virmos para casa» (2ª Memória)
Na quarta Memória, Lúcia dá
detalhes sobre as conseqüências desta última aparição do Anjo:
«A força da presença de
Deus era tão intensa que nos absorvia e aniquilava quase por completo. Parecia
privar-nos até do uso dos sentidos corporais por um grande espaço de tempo.
Nesses dias, fazíamos as ações materiais como que levados por
esse mesmo ser sobrenatural que a isso nos impelia. A paz e felicidade
que sentíamos era grande, mas só íntima, completamente concentrada a alma em
Deus. O abatimento físico que nos prostrava também era grande».
Um pouco antes ela escrevia: «Na
terceira aparição a presença do sobrenatural foi ainda muitíssimo mais
intensa. Por vários dias nem mesmo o Francisco se atrevia a falar. Depois
dizia: Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que depois não somos capazes de
nada! Eu nem andar podia! Não sei o que tinha».
Era tanto o abatimento espiritual
e corporal, era tal o êxtase
dessas crianças, que nem viram a noite chegar: «Apesar de tudo, foi ele
(Francisco) que se deu conta das proximidades da noite. Foi quem disso nos
advertiu e quem pensou em conduzir o rebanho para casa».
Procurei citar toda a passagem
das Memórias de Lúcia devido ao seu caráter eminentemente sobrenatural. É
muito difícil ler estas palavras e dizer que tudo foi invenção. Os detalhes
de vida espiritual são muito fortes. Já estavam as crianças levadas
espiritualmente à oração constante e mortificada. O Anjo lhes ensina uma oração
nova, onde destacamos:
-
a adoração à Santíssima Trindade
-
o oferecimento de Jesus
na Sagrada Hóstia como reparação
-
o Imaculado Coração de Maria medianeira de todas as graças,
participando dos méritos do Sagrado Coração.
Lúcia conta que recebeu uma
verdadeira hóstia. Jacinta recebe o Preciosíssimo Sangue sabendo que é a
comunhão. Já Francisco não percebe de imediato que está comungando.
Só passados alguns dias, quando
conseguem falar novamente, é que o menino pergunta:
«O Anjo, a ti deu-te a
Sagrada Comunhão; mas a mim e à Jacinta, que foi o que ele nos deu?!
Foi também a Sagrada Comunhão! respondeu a Jacinta
numa alegria indizível. Não vês que era o Sangue que caía da Hóstia?!
E Francisco diz então estas
palavras, que são a prova da veracidade das graças com as quais Deus enchia
estas almas infantis:
«–Eu sentia que Deus estava
em mim, mas não sabia como era!
E prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo, com sua irmã,
repetindo a oração do Anjo: Santíssima Trindade...etc.».
Aqui se lhe comunicam todas três Pessoas, e lhe falam, e lhe dão a compreender aquelas palavras do Senhor no Evangelho, quando disse que viria Ele com o Pai e o Espírito Santo a morarem na alma que o ama e guarda os seus mandamentos... E cada dia se admira mais esta alma, porque lhe parece que as Pessoas Divinas nunca mais se apartaram dela; antes, notoriamente vê que, do modo sobredito, as tem em seu interior, no mais íntimo, num abismo muito fundo; e não sabe dizer como é, porque não tem letras, mas sente em si esta divina companhia. - Sta Tereza d'Avila, Castelo Interior, Sétimas Moradas, cap. I |
É no
exemplo vivo desta criança que aprendemos o que muitos espirituais nos ensinam
com palavras humanas e que nos torna difícil a compreensão do que seja a Santa
Comunhão. Que extraordinária ação
de graças fazem estas crianças, dias
depois de receberem a comunhão, milagrosamente, das mãos de um Anjo, elevadas
a um júbilo sobrenatural ao compreenderem que era Jesus escondido que os
visitara.
A lição
estava dada, a formação espiritual alcançara um grau em que já era possível
que elas entendessem profundamente as graças que a Mãe do Céu viria lhes dar.
A história
da vida de oração, da vida interior deles, apenas começava. E se foi com razão
que disseram que o grande milagre de Lourdes foi a alma de Santa Bernadete,
podemos dizer o mesmo destas três crianças, ou pelo menos das duas menores,
visto que Lúcia ainda vive.
As aparições de Nossa Senhora
Chegamos ao dia 13 de maio de
1917
Comecemos pela descrição que Lúcia
nos faz na sua 4ª Memória. Transcrevo-a toda para os que nunca a leram. As
crianças viram um reflexo de luz no céu, como um relâmpago, e com medo de uma
chuva, vão tocando as ovelhas em direção à casa, quando vêem um segundo
clarão e, logo depois, uma senhora sobre uma carrasqueira «Vestida de
branco, mais brilhante que o sol, espargindo luz mais clara e intensa que um
copo de cristal cheio d'água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais
ardente...estávamos tão perto que ficávamos dento da luz que a cercava ou que
ela espargia. Talvez a metro e meio de distância, mais ou menos». Esta
proximidade com a luz que dela saía
tem sua importância pelo que virá.
«– Não tenhais medo. Eu não
vos faço mal.
– De onde é vossemecê?
perguntei.
– Sou do Céu.
– E o que é que Vossemecê me
quer?
– Vim para vos pedir que
venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi
quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez.
– E eu também vou para o Céu?
– Sim, vais.
– E a Jacinta?
– Também.
– E o Francisco? – Também,
mas tem que rezar muitos Terços.»
Depois desta introdução, que
segue com perguntas sobre as amigas de Lúcia já falecidas, Nossa Senhora dirá
o que realmente quer das crianças, dizendo coisas parecidas com as palavras do
Anjo, já conhecidas dos três. Não vemos aqui Nossa Senhora ensinando-os a
rezar ou as crianças perguntando do que se trata. Tudo é claro e rápido:
– «Quereis oferecer-vos a
Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de
reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão
dos pecadores?
– Sim, queremos.
– Ide pois, ter muito que
sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.
Dentro do nosso estudo das graças
místicas das três crianças, temos os seguintes elementos nesta primeira aparição:
-
elas se encontram dentro da luz que emana da Virgem.
-
Nossa Senhora lhes pede sofrimentos e eles aceitam já
sabendo do que se trata.
-
Ela confirma que sofrerão muito e terão o socorro
especial da graça de Deus.
O que segue, é a conseqüência
disso:
«Foi ao pronunciar as últimas
palavras que abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão
intensa, como que reflexo que delas expedia, que nos penetrava no peito e no
mais íntimo da alma, fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz,
mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos.»
Estando dentro da luz que emana
de Nossa Senhora elas vêem, das palmas das mãos da Senhora, brotar mais luz ainda. E essa nova luz penetra no íntimo
de suas almas, dando-lhes um
conhecimento que uma simples criança não poderia ter: conhecimento de si
mesmos em Deus que era aquela luz. Ora, isso é o que acontecerá conosco no céu.
Durante alguns instantes, que não foram demorados, mas também não foram muito
rápido, elas estiveram no céu. O que mais impressiona é que elas não tenham
morrido de amor, passando do êxtase para a glória. O fato é que a terra,
naquele momento desapareceu para eles:
«Então, por um impulso íntimo,
também comunicado, caímos de joelhos e repetíamos intimamente: "Ó Santíssima
Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo
Sacramento". Passados os primeiros momentos Nossa Senhora acrescentou:
Rezem o Terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da
guerra».
Nossa Senhora não repetiu para
eles a oração. Ela brota da iluminação em que estão mergulhados. A Santíssima
Trindade já era deles conhecida pela oração do Anjo, assim como o amor por
Jesus escondido no Santíssimo Sacramento. Ambos lhes foram comunicados na
terceira aparição do Anjo, quando as crianças comungam de suas mãos.
É preciso compreender que o que
há de mais rico e elevado nesta aparição de Nossa Senhora está escondido no
coração das crianças: «Omnis glóriae filiae Regis ab intus – toda a glória
da filha do Rei vem do interior» (Sl.44). E a Virgem Maria permanece ali,
no silêncio das colinas de Fátima, rodeada por três inocentes criancinhas,
mergulhadas num êxtase de amor. Quanto tempo ficou ali a Mãe de Deus? Ninguém
sabe.
Na verdade, o que Nossa Senhora
comunicou às almas das crianças naquele momento foi algo diferente das aparições
do Anjo: «A aparição de Nossa Senhora veio de novo a concentrar-nos no
sobrenatural, mas mais suavemente. Em vez daquele aniquilamento na Divina presença,
que prostrava mesmo fisicamente, deixou-nos uma paz e alegria expansiva que nos
não impedia falar, em seguida, de quanto se tinha passado.» (4ª Memória).
E, de fato, os três falavam
entre si com facilidade sobre o grande acontecimento. Jacinta será mesmo
indiscreta, contando em casa o acontecido, o que será motivo de muito
sofrimento e humilhações para os três.
«...foi ela que, não podendo
conter em si tanto gozo, quebrou o nosso contrato de não dizer nada a ninguém.
Quando, nesta mesma tarde, absorvidos pela surpresa, permanecíamos pensativos,
a Jacinta, de vez em quando, exclamava com entusiasmo: Ai! que Senhora tão
bonita!» (1ª Memória)
E Francisco também expansivo:
«Oh! Minha Nossa Senhora, terços
rezo todos quantos Vós quiserdes!» E ainda: «Gostei muito de ver o
Anjo; mas gostei ainda mais de Nossa Senhora. Do que gostei mais foi de ver a
Nosso Senhor naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de
Deus! Mas Ele está tão triste por causa de tantos pecados. Nós nunca havemos
de fazer nenhum.»
A vida dos pastores se transforma
e seria muito longo nós comentarmos todas as impressionantes mortificações
que eles farão, pela conversão dos pecadores, para que as almas não se percam
no inferno, para consolar o Bom Deus já tão ofendido.
No entanto devemos marcar a vocação
própria dos dois menores: Jacinta fica muito impressionada com o inferno, antes
mesmo de terem a visão da terceira aparição; a pequenina pensa com freqüência
nos pobres pecadores que sofrerão para sempre ali.
Francisco, o mais interior dos três,
isola-se em oração, rezando o Terço, pensando sempre em consolar a Deus.
Mas as graças não param na primeira aparição. Suas almas ainda têm mais a aprender sobre Deus e sobre elas mesmas. E a lição de vida mística continuará na segunda aparição.
A Segunda Aparição:
13 de junho de 1917.
Tanto pelas palavras de Nossa
Senhora quanto pela visão da luz que se irradia novamente de suas mãos, esta
segunda aparição nos mostra a missão de cada uma delas e a
importantíssima revelação da devoção ao Imaculado Coração de
Maria:
– Queria pedir-lhe para nos
levar para o Céu.
–
Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas
tu ficas cá m ais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para Me fazer
conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração.
–
Fico cá sozinha? perguntei com pena.
–
Não filha. E tu sofres muito?! Não desanimes. Eu
nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio, e o caminho
que te conduzirá até Deus.
Foi no momento em que disse estas
últimas palavras que abriu as mãos e nos comunicou, pela segunda vez, o
reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos como que submergidos em Deus. A
Jacinta e o Francisco parecia estarem na parte dessa luz que se elevava para o Céu,
e eu na que se espargia sobre a terra. À frente da palma da mão direita de
Nossa Senhora estava um coração cercado de espinhos que parecia estarem-lhe
cravados. Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos
pecados da humanidade, que queria reparação.» (4ª Memória)
Esta visão sublime e tão
importante foi como um segredo que eles conseguiram guardar, pois tratava-se da
vida deles. Só em 1941, ao redigir estas Quartas Memórias, é que irmã Lúcia
revelará ao mundo esta luz.
Porém, o modo como Deus se
serviu de seus inocentes amiguinhos para revelar ao mundo o Imaculado Coração
de sua Mãe Santíssima é outra marca da grandeza dos acontecimentos de Fátima.
«Parece-me que neste dia,
este reflexo teve por fim principal infundir em nós um conhecimento e amor
especial para com o Coração Imaculado de Maria, assim como das
outras duas vezes o teve, me parece, a respeito de Deus e do mistério da
Santíssima Trindade.» (3ª Memória).
Vemos assim que não foi por
causa da visão do Coração na palma da mão que os corações das crianças
passaram a ter grande amor pelo Imaculado Coração, mas sim pela luz divina que
lhes foi comunicada, com o conhecimento infuso da realidade de fé que se
escondia por detrás daquela visão extraordinária. Devoção real, sólida,
profunda, sem nada de sentimental. «Desde esse dia sentimos no coração um
amor mais ardente pelo Coração Imaculado de Maria.A Jacinta dizia-me de vez em
quando: "Aquela Senhora disse que o Seu Imaculado Coração será o teu refúgio
e o caminho que te conduzirá a Deus. Não gostas tanto? Eu gosto tanto do seu
Coração. É tão bom!» E antes de ir para o hospital ela insistia com Lúcia
para não ter medo de, chegada a hora, dizer ao mundo que Deus queria a devoção
ao Imaculado Coração de Maria.
Não sei se as longas citações
das Memórias de Irmã Lúcia nos desvia das considerações de ordem
espiritual, no sentido da vida mística das crianças. Mas tudo o que foi citado
mostra as principais etapas e acontecimentos que foram formando e elevando as
suas almas.
Assim é que, entre a segunda e a
terceira aparição aconteceu um fato de grande importância para o que estamos
a tratar. Lúcia passa por uma grande noite da Fé. Ela, cheia de dúvidas,
achando que tudo aquilo pode ser do demônio, e os seus priminhos chorando e
sofrendo por ver a prima naquele estado. Grandes purificações para grandes
almas. Todos os esforços foram vãos para convencer a mais velha, que só foi
ao encontro por ter sido arrancada de sua casa por um impulso mais forte do que ela, indo
encontrar os dois pequenos chorando de joelhos em sua casa. E Francisco dirá
depois como se comporta os santos diante das grandes decisões: «Credo!
Aquela noite não dormi nada; passei-a toda a chorar e a rezar para que Nossa
Senhora te fizesse ir!» (4ª Memória)
Eles estavam, enfim, prontos
para a grande revelação que Nossa Senhora queria lhes fazer.
A Terceira Aparição: 13 de
julho de 1917.
A narrativa da terceira aparição
nos afastaria do nosso assunto. Lembremos apenas que ela é o centro do conjunto
de aparições e de fatos sobrenaturais que as três crianças assistiram:
- a visão do inferno para onde vão
as almas dos pecadores
- o Imaculado Coração de Maria
como remédio para salvar a humanidade desse inferno
- a Rússia, castigo para esse
mundo pecador
- a terceira parte do segredo,
que segundo testemunho de altas personalidades da Igreja, que a leram, fala da
terrível crise de fé que assola o mundo e a Igreja desde o último Concílio.
O que mais nos interessa aqui é
a impressão que lhes ficou da visão do inferno e das profecias ditas por Nossa
Senhora: «Na terceira aparição, o Francisco pareceu ser o que menos se
impressionou com a vista do Inferno, embora lhe causasse também uma sensação
bastante grande. O que mais o impressionava ou absorvia era Deus, a Santíssima
Trindade, nessa luz imensa que nos penetrava no mais íntimo da alma. Depois
dizia: "Nós estávamos a arder naquela luz, que é Deus e não nos queimávamos!
Como é Deus!...não se pode dizer! Isto sim, que a gente nunca pode dizer! Mas
que pena Ele estar tão triste! Se eu O pudesse consolar!...» (4ª Memória)
Esta elevada e bela afirmação
vem se juntar a todas as outras que já fizemos da vida de Francisco Marto, onde
sua alma de criança e de santo se desenha com tanta clareza, inundada desta graça
de vida mística, de vida perdida em Deus.
Jacinta, ela, viverá até o fim
com esta visão do inferno diante de si, como um aguilhão que lhe dará sempre
mais forças para sofrer: «A vista do Inferno tinha-a horrorizado
a tal ponto que todas as penitências e mortificações lhe pareciam
nada, para conseguir livrar de lá algumas almas... Algumas pessoas, mesmo
piedosas, não querem falar às crianças do Inferno, para não as assustar; mas
Deus não hesitou em mostrá-lo a três e uma de seis anos apenas, e que Ele
sabia se havia de horrorizar a ponto de, quase me atrevia a dizer, de susto se
definhar.
Com freqüência se sentava no chão
ou nalguma pedra e pensativa começava a dizer: "O inferno, o inferno! Que
pena eu tenho das almas que vão para o inferno! E as pessoas lá, vivas, a
arder como a lenha no fogo! E meio trêmula ajoelhava, de mãos postas, a rezar
a oração que Nossa Senhora nos havia ensinado: "Ó meu Jesus,
perdoai-nos, livrai-nos do fogo do Inferno, levai as alminhas todas para o Céu,
principalmente as que mais precisarem".» (3ª Memória)
Muitas graças extraordinárias são
descritas por Lúcia sobre seus primos. A visão que Francisco tem de um demônio,
como o que eles viram na visão do inferno, a visão que Jacinta tem do Papa,
bi-locação, as profecias sobre as modas que ofenderão a Deus. Um pouco antes
de sua morte, Nossa Senhora aparece para ela e lhe pergunta se ela aceita
continuar a salvar as almas do inferno. Todas elas são confirmações, conseqüências
da elevação a um alto grau de santidade operada pelo aprendizado do Céu,
desde as aparições do Anjo até a morte das duas crianças. Mas voltemos ao
dia 13 de julho:
Quando Nossa Senhora chega sobre
a azinheira, Lúcia fica muda, em êxtase, diante dessa luz intensa, da qual ela
tinha duvidado. Foi Jacinta que a alertou: fale pois ela já está falando com
você. Lúcia, sempre discreta sobre as graças recebidas por ela própria ficará
sempre com saudades do céu, e quando ela manifestava isso a eles, Jacinta lhe
lembrava que o Imaculado Coração de Maria seria o seu refúgio. Sua missão
quase profética de anunciar a revelação do Imaculado Coração de Maria
parece, aliás, ter começado ainda no dia da última aparição. Eis o que nos
conta o Dr. Carlos Mendes:
«Quando o sol voltou ao
normal, tomei Lúcia nos meus braços para leva-la até o caminho. Meus ombros
foram assim o primeiro púlpito de onde ela pregou a mensagem que acabara de lhe
confiar Nossa Senhora do Rosário. Com grande entusiasmo e Fé ela gritava:
"Façam penitência, façam penitência! Nossa Senhora quer que façais
penitência. Se fizerdes penitência a guerra acabará". Ela parecia
inspirada. Era impressionante ouvi-la. Sua voz tinha entoações como a voz de
um grande profeta.»
A Continuação
Depois da morte de Francisco e
Jacinta, Lúcia continuará recebendo muitas graças e procurando desempenhar
seu papel de testemunha da vontade de Nossa Senhora. No dia 10 de dezembro de
1925, apareceu-lhe a Santíssima Virgem e ao lado, suspenso numa nuvem luminosa,
um Menino. Nossa Senhora pôs sua mão no ombro da religiosa e mostrou-lhe na
palma da outra mão, seu Coração cercado de espinhos. Disse o Menino: "Tem
pena do coração de tua Santíssima Mãe, que está coberto de espinhos, que os
homens ingratos a todos os momentos lhe cravam, sem haver quem faça um ato de
reparação para os tirar."
E Nossa Senhora pede, então, que
irmã Lúcia espalhe pelo mundo a devoção dos 5 Primeiros sábados do mês. A
todos os que se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, meditando nos quinze
mistérios do Rosário, com o fim de desagravar ao Imaculado Coração de Maria,
a boa Mãe do Céu promete assistir na hora da morte com todas as graças necessárias
para a salvação. E mais tarde Nossa Senhora explicará porque pediu 5 sábados:
porque são cinco as espécies de ofensas e blasfêmias proferidas contra o
Imaculado Coração de Maria:
-
blasfêmias contra a Imaculada Conceição
-
contra sua Virgindade
-
contra a Maternidade divina, e recusa de recebe-la como Mãe
-
os que procuram infundir nos corações das crianças a
indiferença, o desprezo e até o
ódio para com esta Imaculada Mãe.
-
os que a ultrajam em suas sagradas imagens.
Os grandes mistérios revelados e vividos pelas criancinhas de Fátima
continuam, portanto, diante de nós, diante do mundo indiferente. Cabe a cada um
de nós tomar a iniciativa de se entregar ao amor desta incomparável Mãe, que
trouxe o Céu até a terra, nas terras de Portugal, para a nossa salvação. Que
os bem-aventurados Francisco e Jacinta de Fátima intercedam por nós, para que
nós estejamos à altura deste amor Maternal que Nossa Senhora quer nos
comunicar. Rezemos o Terço todos os dias.