1. A Nossa indigência
Qual é o estado do homem na terra?
Somos indigentes, Pauperes facti sumus nimis (Ps.LXXVIII): temos necessidade de tudo, tanto para nossa alma quanto para nosso corpo; nossa indigência é extrema.
Vemos no que todos sofrem e no que se queixam. A maior parte dos homens não conhece sua própria indigência, nem os remédios que deveriam procurar.
Infelizes que somos, gemia santo Agostinho, amamos nossa própria indigência, e além de amá-la, dela nos vangloriamos.
Sim, pelo menos por instantes, ou por algum tempo; pois nossa alma tem fome e sede de felicidade, e mesmo que queira fechar os olhos para essa necessidade, ela subsiste.
2. Nossos desejos
Sim, nossa alma está cheia de desejos. Criada por Deus, só encontrará deleite e repouso naquele que é seu princípio e seu fim.
Alguns são da alma, outros do corpo.
A alma quer ver, saber, amar, gozar e ser feliz.
O corpo quer seu pão de cada dia e a cura de seus males.
Sim, se são ordenados segundo a vontade de Deus.
Facilmente tornam-se maus por causa das inclinações viciosas que temos devido ao pecado original.
3. A satisfação de nossos desejos
Somos levados a procurar a satisfação de nossos desejos?
Sim, invencivelmente: não encontrando em nós o que nos falta, vamos procurar fora.
Por toda parte: no alto, ao nosso redor ou abaixo de nós.
Longe de encontrarmos nosso bem, agravamos nosso mal e aumentamos nossa indigência.
Encontramos criaturas tão pobres quanto nós, incapazes de nos dar o que não têm, e que têm necessidade como nós.
O único recurso é nos elevarmos acima de nós mesmos e pedir a Deus o que precisamos.
4. A oração
Como se chama o fato de uma alma se voltar assim para Deus?
Chama-se: oração; quer dizer uma elevação da alma indigente para a fonte inesgotável de todos os bens.
Sim, como é natural à criança pedir a seu pai o que precisa.
Devido à ignorância, fruto do pecado original, não sabemos mais pedir, nem o que é preciso pedir, nem a quem pedir.
Que a graça de Deus nos é necessária para rezar, quer dizer, para elevarmos nossas almas a Deus.
É o que nos ensina são Paulo quando diz: “O Espírito Santo ajuda a nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir nem como convém. Mas o próprio Espírito pede por nós com gemidos inefáveis (Rom.VIII,26).”
5. Motivos para rezar
Qual o nosso principal motivo para rezar?
É a necessidade que temos de Deus para alcançarmos a felicidade que almejamos.
Devemos rezar também para adorarmos a Deus e reconhecermos seu soberano domínio sobre nós e sobre todas as criaturas; para agradecermos os benefícios e pedirmos perdão por nossos pecados.
Eles precisam rezar sem cessar, e devem isso a Deus, mas seu mal é tão grande que se parecem a doentes que, acostumando-se à sua doença não pensam mais em se curar.
Não, ao contrário, devemos compreender, meditar e por em prática a palavra de nosso divino Mestre que nos diz: “É preciso rezar sempre, sem nunca descansar (Luc.XVIII,1.).”
Pedir humilde e instantemente a graça de rezar e para esse fim repetirmos a palavra dos Apóstolos a Nosso Senhor: “Senhor, ensinai-nos a rezar (Luc.XI,1)”
6. O que é a oração
A oração é uma elevação da alma para cumprirmos nosso dever para com Deus e lhe pedirmos suas graças.
Devemos adorá-lo como nosso Mestre soberano, e agradecer nossa criação e todos os inúmeros benefícios que recebemos.
A cura de nossos males e a participação em seus bens.
De Deus pela graça e de nós pela boa vontade que ele nos inspira.
É o desejo. Santo Agostinho também define a oração: “Um desejo e um gemido do coração se dirigindo a Deus: Cordis desiderium et gemitus ad Deum directus.”
7. Oração mental e vocal
Chama-se oração mental, porque então é só a alma (mens mentis, mentalis) que a produz, sem que apareça nada exteriormente.
Sim, sem dúvida, pois podemos exprimir por palavras o desejo interior da alma, e essas palavras fazem que a oração se chame vocal (vox vocis, vocalis).
Que se pode rezar sem as palavras da oração e também dizer as palavras da oração sem rezar.
Porque a oração consistindo essencialmente em um desejo do coração, se a alma se eleva a Deus com esse desejo interior, ela reza. Se, ao contrário, ela pronuncia as palavras da oração sem que as anime o desejo interior, ela não reza, apenas fala.
8. Razões da oração vocal
Se fossemos anjos seria assim; mas não somos anjos e as palavras nos são necessárias.
Porque fixadas em nossa memória, ou ao menos presentes em nosso espírito, fazem-nos lembrar as coisas que temos para pedir a Deus, e nos excitam a lhe pedir.
Porque o coração sente mais vivamente as coisas quando são, ao mesmo tempo, concebidas pelo espírito e exprimidas pela voz. As palavras nos ajudam a desejar mais e assim a rezar melhor.
Sem nenhuma dúvida, porque ela nos presta um grande socorro; é preciso nos aplicar em faze-la bem, conformando nossos desejos às palavras que pronunciamos.
Temos três que são consideráveis: primeiramente Nosso Senhor nos ensinou o Pai Nosso que é a mais admirável das orações vocais; segundo, o Espírito Santo inspirou os Salmos que formam a oração da Igreja há três mil anos; terceiro, enfim, a Igreja compôs uma quantidade de orações que são de grande beleza e de um valor inestimável para nossas almas.
9. A oração pública e particular
A oração pode ser privada ou pública; privada, quando é feita só por uma alma; pública quando é feita em uma reunião de fiéis que se dirigem a Deus, todos juntos numa mesma oração.
Uma e outra devem ter como ponto de partida um desejo do coração, sem o qual não haverá oração.
A oração privada pode ser, à vontade, mental ou vocal, enquanto que a oração pública é sempre uma oração vocal.
Se estivéssemos sozinhos na terra, estaríamos reduzidos à oração privada; mas vivemos em sociedade, e a sociedade deve, como o indivíduo, prestar seus deveres a Deus e lhe pedir suas graças.
É preciso estimar a ambas, porque todas duas são necessárias, e uma auxilia a outra; mas apesar de iguais, a oração pública é mais valiosa aos olhos de Deus.
10. Razões da oração pública
Temos vários e poderosíssimos motivos.
Nosso Senhor disse: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, estarei no meio deles (Mat.XVIII,20).” E mais: “Se dois de vós na terra se unirem entre si, seja qual for a coisa que eles pedirem, meu Pai que está no céu, lhes dará (Mat.XVIII,19).”
Nota-se que nosso divino Salvador, de alguma maneira está mais atento à oração coletiva do que a uma oração privada; e que concede mais facilmente ao pedido de muitos o que talvez não concedesse ao pedido de um só.
Há, e muito grandes. Todos os fiéis se unindo na oração, animam-se, encorajam-se e se edificam uns aos outros; os fortes sustentam os fracos, os fracos se esforçam para seguir os fortes e a oração se torna mais poderosa diante de Deus. “Nós nos unimos na oração, diz Tertuliano, e fazemos a Deus uma violência que lhe é agradável. Haec vis Deo grata est.
11. Os graus da oração
Chamamos assim os diferentes estados daqueles que rezam; pois essa diferença de estado produz orações mais ou menos perfeitas, daí os diversos graus de oração.
Como a oração consiste no desejo que o coração manifesta a Deus, compreende-se que o desejo sendo maior ou menor e a manifestação do desejo mais ou menos ardente deve haver inumeráveis graus de oração.
Do grau de conhecimento: pois ninguém deseja o que não conhece; mas quando o bem é conhecido, ele é tão mais desejado quanto mais é conhecido.
No grau do amor: porque quanto mais se ama o bem, mais somos atraídos por ele. Quem não ama, não deseja: porém quem ama muito deseja muito.
É a Fé.
São a Esperança e a Caridade, segundo essa bela palavra de Santo Agostinho: Fides credit, Spes et Caritas Orant - a Fé crê, a Esperança e a Caridade oram.
12. A oração dos pequeninos
A rigor, é preciso dizer que não, porque não sabem; porém como dizia uma criança: Eu amo melhor, sim!
Porque a criança, pronunciando as palavras da oração, exprime diante de Deus que sabe bem, o que lhe foi posto no coração pela graça de seu batismo.
A criança batizada, rica em inocência e graça santificante tem no coração a fé habitual, como também a esperança e a caridade, e quando ela diz a Deus: Meu Deus! Eu vos amo de todo coração! exprime - sem saber - uma linda verdade bem conhecida de Deus, e diante da qual ele não é insensível.
Que as orações desses anjos da terra é agradável a Deus, e que os pais e mães devem achar um verdadeiro encanto em fazer seus filhinhos rezarem, e animar seus próprios desejos de rezar.
Certamente, pois essa oração a forma na oração; essa oração faz a criança fazer atos que já saberá fazer quando, chegando a idade da razão, será obrigada a faze-los.
13. A oração das crianças na idade da razão
A criança começa a ficar atenta ao ato que faz, e desde então começa a rezar realmente.
Basta para a criança que tenha o pensamento em Deus que a vê, que a escuta, e tenha o desejo de fazer alguma coisa que seja agradável a Deus, assim, ela faz sua oração.
Porque ela não é capaz de fazer mais, não tendo suficiente conhecimento para penetrar no sentido das palavras que pronuncia na oração.
Adquirindo a inteligência dos mistérios do Símbolo dos Apóstolos, e os repassando em seu espírito dizendo o Credo; adquirindo o sentido dos pedidos do Pater (Pai Nosso), à medida que os dirige a Deus; e crescendo tanto em conhecimento quanto em desejo, crescerá na oração.
14. A oração dos verdadeiros fiéis
Um exercício das três virtudes: a Fé, a Esperança e a Caridade.
A fé nos esclarece sobre o passado, o presente e o futuro. A Fé nos ensina nossa criação, a queda original, a redenção por Nosso Senhor; nos mostra a vida eterna e o caminho que a ela conduz, nos mantêm na espera dos julgamentos de Deus. Quem não vê que todas essas grandes e divinas luzes nos dispõem de um modo feliz para rezar?
Fazendo nascer em nós os santos desejos do perdão dos pecados, da graça necessária para a observação dos mandamentos, de nossa felicidade eterna, de agradar a Deus, de amá-lo e de vê-lo eternamente.
Aquele que tem sempre no coração o santo desejo e que o exprime muitas vezes para Deus.
Aquele que consegue obedecer à palavra de Nosso Senhor: É preciso rezar sempre (Luc.XVIII,1).
15. A oração dos perfeitos
Aqueles que tiveram a felicidade de vencer o pecado, que vivem numa fé luminosa, numa esperança inabalável, numa caridade ardente.
Ela é o fruto de um conhecimento muito elevado, de um desejo fervoroso, e desde então ela se eleva a Deus como um perfume puríssimo, como um incenso de agradável odor.
Aqueles que rezam pedem a Deus que nos livre do mal e a possessão de seu bem; apenas eles pedem essas graças numa luz mais abundante, com uma humildade mais profunda, com desejos mais ardentes, e é isso que faz a perfeição da oração.
Algumas vezes eles rezam sem palavras, algumas vezes com palavras; mas, mais são perfeitos, mais têm estima pelas orações da Igreja, sobretudo pelos Salmos, o Pai Nosso, etc.
O segredo está em querer o bom Deus de todo seu coração e de toda sua alma.
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