Os Vícios e os Pecados
Os
vícios capitais
Logo no início do estudo
sobre as virtudes, vimos que podemos adquirir na nossa alma uma força habitual,
enraizada e má, chamada vício. Esses vícios empurram a alma a praticar atos
contrários às virtudes, ou seja, atos pecaminosos, pelos quais ofendemos
gravemente a Deus nosso Senhor.
No estudo de cada virtude em
particular vimos também os vícios contrários às virtudes, ou seja, os
pecados que cometemos contrariando as virtudes.
Há, porém, na alma, alguns
vícios enraizados não porque cometemos pecados e fomos adquirindo esses vícios,
mas que são cicatrizes do pecado original. Vamos explicar um pouco o que isso
significa.
Sabemos que o Sacramento do
Batismo apaga o pecado original. Isso é uma verdade de Fé, na qual acreditamos
com todas as forças da nossa alma. Porém, mesmo tendo sua alma limpa do pecado
original, o homem vive nesta vida sempre inclinado para fazer o mal. É necessário
sempre lutar contra as tendências más da alma, sua inclinação a faltar à
Lei de Deus, a procurar satisfazer suas paixões, seu conforto, a
esconder dos outros os atos maus que fazemos, etc.
Essa inclinação má que
encontramos dentro de nós explica-se pelo fato de que nossa sensibilidade não
aceita mais se submeter à razão; nossa vontade não tem mais forças para
impor a verdade e o bem. Com isso, estamos sempre procurando satisfazer a
sensibilidade. A vida de virtudes e dos dons do Espírito Santo nos salva desta
revolta, pela força que adquirimos na luta contra as paixões desregradas.
Ora, essa inclinação para
fazer o mal se realiza na nossa alma através dos chamados vícios capitais. E a luta para vence-los é feita pela prática das
virtudes opostas a esses vícios ou pecados.
Chamam-se capitais
porque são como que a cabeça, a fonte de
todos os pecados. Dessas inclinações originam-se todos os atos maus que
cometemos. Ao estuda-los, aprenderemos a vigiar nossas almas no sentido de fugir
desses vícios e assim evitarmos muitos pecados.
Os vícios ou pecados
capitais são sete:
Soberba
Avareza
Luxúria
Inveja
Gula
Ira
Preguiça (e tibieza)
A
Soberba
A Soberba também é chamada
de orgulho e consiste numa estima excessiva de si mesmo.
- não agradece a Deus as
qualidades que possui e fica procurando elogios.
- acha que possui qualidades
que na verdade não possui.
- procura sempre rebaixar as
qualidades dos outros.
A Soberba produz ainda:
ambição - desejos
imoderados de possuir bens e glória.
presunção - confiança
exagerada em si mesmo.
vã glória - procura de
elogios e admiração.
hipocrisia - atos que
mascaram a maldade do coração
obstinação - não aceitar
os conselhos e insistir sempre no mal.
desprezo - olhar os outros
como inferiores.
A Soberba é um vício que
leva a alma a uma cegueira total sobre si mesma e sobre o próximo. A alma
soberba não pode amar a Deus e ao próximo na verdadeira Caridade.
Devemos pedir em nossas orações
que sejamos sempre humildes, reconhecendo que recebemos de Deus tudo o que possuímos
e tudo o que somos. Sigamos o exemplo de Jesus Cristo, manso e humilde de coração.
A
Avareza
Se a soberba consiste numa
estima excessiva de si mesmo, a Avareza é a estima excessiva das riquezas e dos
bens materiais. A alma dá tanta importância ao dinheiro que passa a viver só
em torno disso, esquecendo-se de Deus e do próximo. O avaro está tão apegado
às coisas que possui que prefere morrer do que perde-las. Só pensa em comprar,
em ter, em mostrar aos outros tudo o que possui.
A avareza produz:
-
injustiça para com o próximo : roubos, trapaças etc.
- traição : como Judas, que
vendeu Jesus por trinta moedas.
- dureza do coração diante
da pobreza : nunca dá esmolas nem quer ajudar os pobre
- preocupações constantes :
medo de perder tudo.
- esquecimento de Deus e da
salvação eterna
Para vencer a avareza devemos
considerar que tudo é palha diante da vida da graça, verdadeira riqueza da
alma. Contemplemos a simplicidade de coração de Nosso Senhor Jesus Cristo, seu
amor pela pobreza e pelos mais humildes e toda sua vida voltada para fazer a
vontade do Pai.
A
Luxúria
Deus ordenou aos homens que
se multiplicassem sobre a terra. Para isso, Ele instituiu a família, união de
um homem e de uma mulher, que se unirão pelo ato conjugal para terem os filhos
que Deus quer que eles tenham. Foi para proteger a instituição familiar que
esse ato e tudo o que se relaciona com ele, ficou reservado ao matrimônio.
A luxúria é o vício que
leva os homens a realizarem o ato sexual fora do casamento ou contrariando as
normas naturais estabelecidas por Deus para ele. Esse vício provoca pecados
contra o sexto e o nono mandamentos: atos, pensamentos, desejos, más
companhias, filmes, revistas, e o adultério, que é a traição do juramento
matrimonial.
A luxúria provoca também:
- cegueira espiritual : a
alma fica desnorteada e a vergonha a leva a fugir de Deus.
- precipitação : nervosismo
nas coisas do dia a dia, perda da concentração nos estudos.
- inconstância : um dia bem,
outro dia má, a alma balança ao sabor das paixões.
- amor próprio : amor
desordenado das coisas do corpo
- imodéstia e despudor :
roupas e as atitudes do corpo indecentes e provocadoras.
Para se afastar completamente
da luxúria e de todos os pecados que dela nascem, devemos perseverar na oração,
receber com freqüência os sacramentos, evitar a ociosidade, praticar a
temperança e a castidade, e fugir de todas as ocasiões de pecado: má
companhia, diversões mundanas e pecaminosas etc.
A
Inveja
A inveja é um vício pelo
qual nós olhamos tudo que há de bem no nosso próximo como sendo mau, porque
diminui nossa grandeza e nossa glória.
Ou seja, não gostamos de ver alguém ser elogiado e nós não, não suportamos
que tal pessoa tenha um objeto que nós não temos. No fundo,
queremos ser sempre os mais notados e festejados. Vemos assim que a
inveja nasce da soberba, que é aquela cegueira sobre nós mesmos. Pela inveja
procuramos sempre atrapalhar o outro e nos alegramos quando o vemos atribulado.
Como a inveja nos leva a
desprezar o próximo, ela é a origem de muitos pecados graves contra a virtude
da Caridade, a qual nos leva a nos alegrar pelo bem que vemos no outro.
A inveja provoca:
- ódio - foi o ódio nascido
da inveja que levou Caim a matar Abel
- murmúrio - a alma passa
seu tempo a pensar mal dos outros.
- detração - ela já não
pensa só contra seu próximo, mas tenta quebrar a reputação do outro.
A inveja se vence pela prática
de duas virtudes: a humildade, que combate a origem
da inveja que é a soberba;
e a caridade fraterna, que combate
as conseqüências da inveja.
A
Gula
A gula é um apetite
desordenado pela comida ou pela bebida. Esta desordem pode existir na alma de
cinco modos.
- procurando desordenadamente comidas caras e
diferentes (tipo)
- comendo em excesso
(quantidade)
- demasiada atenção na
preparação (qualidade)
- comendo ou bebendo de modo
voraz e sem educação (modo)
- se preocupando demais com a
hora da comida (precipitação)
Devemos combater o vício da
gula por ser algo de muito animal e baixo. Mesmo que o pecado que ele
provoca seja, às vezes, pecado venial. Mas a gula pode nos levar a cometer também
pecados mortais, quando comemos ou bebemos a ponto de perder o controle de si,
de passar mal, etc.
A gula provoca ainda :
- embriaguez
- dissipação e dificuldade
de se concentrar
- dificuldade para estudar.
- fuga da vida de oração
Pela virtude da Temperança
procuremos moderar a nossa gula, considerando o quanto são mesquinhos e baixos
os bens que ela nos traz.
A
Ira
A ira é um estado de
descontrole da paixão ou um desejo imoderado de vingança. O descontrole da
paixão é a raiva, que chega a modificar nosso semblante; a vingança imoderada
consiste em vingar-se quando não nos cabe vingar ou vingar-se de alguém que não
nos fez nada que merecesse vingança.
A ira provoca ainda:
- indignação - é nossa
irritação contra alguém que achamos injustamente que está irritado conosco
- maus pensamentos e juízos
temerários
- gritos e agitação
- blasfêmias
- acusações injustas
- rixas e brigas
Lembremos do exemplo de Jesus
Cristo, manso e humilde de coração, e peçamos a Ele que faça o nosso coração
semelhante ao seu. Diz ainda as Sagradas Escrituras: na vossa paciência,
possuireis as vossas almas.
A
preguiça e a tibieza
Este vício pode ser
considerado de dois modos:
a) em geral: é a inclinação
a procurar o repouso e o conforto do corpo: chama-se preguiça
b) em particular: é o tédio
pelas coisas espirituais, pela oração e por tudo que nos aproxima de Deus :
chama-se tibieza
No Antigo Testamento vemos
como o povo hebreu sentiu saudades da escravidão do Egito e reclamou contra
Moisés e contra Deus por terem fugido. E isso, apesar de todas as demonstrações
de amor que Deus dava constantemente a eles: a travessia do Mar Vermelho, o maná,
as perdizes, a água tirada da rocha, as curas milagrosas pela serpente de
bronze etc. Esta atitude do povo hebreu mostra bem o que é a tibieza, e como
nos prejudicamos quando nos afastamos do caminho
da oração e do amor de Deus.
Como a tibieza opõe-se à
Caridade, ela provoca um pecado mortal, pelo qual ofendemos a Deus, agimos contra o
primeiro mandamento e recusamos os meios que Deus pôs a
nosso dispor para alcançarmos a salvação.
A tibieza leva a alma aos
seguintes pecados:
- desespero da salvação
- pusilanimidade - é a
atitude medrosa, fraca, envergonhada, diante das coisas de Deus e da Igreja,
tanto no nosso coração quanto nas manifestações exteriores da nossa Fé.
- fraqueza no cumprimento dos
Mandamentos
- rancor e raiva contra os
que nos chamam a atenção para que voltemos a rezar.
- ódio das coisas
espirituais que impedem a alma de se soltar no pecado
- atenção voltada para as
coisas ilícitas, interesse por elas, desejo de as praticar.
Este vício é dos mais difíceis
de se extirpar. O peso da alma é grande e a leva a cometer muitos pecados. É
preciso fugir dele com todas as forças, pois cada dia ele cresce e se cria
novas raízes na alma. Nunca deixar de rezar um pouco, mesmo que isso custe
muito para a alma. Procurar com muita freqüência o confessionário e pedir ao
padre ajuda para sair da escuridão. Confiar em Nossa Senhora e pedir a ela que
devolva as forças da alma.
Estes são, então, os vícios
capitais. Sabendo o que eles representam para a alma, procuraremos trabalhar
pela prática das virtudes no sentido de diminuir sua ação. Isto porque deles
brotam como de uma fonte muitos pecados.
Resta-nos agora estudar um
pouco o que é um pecado e as diversas espécies de pecado.
v
O
pecado
Podemos chamar um ato mau de
pecado, ato pecaminoso, ou vício. Na verdade, vício significa um
estado, uma inclinação ao mal, uma tendência
a agir contra Deus e contra a lei. Já a palavra pecado significa um ato
mau, ou seja, algo de concreto, existente de fato, com conseqüências
maiores ou menores, de acordo com a gravidade do ato. Por isso podemos dizer que
dos vícios (das tendências más) nascem muitos pecados. Uma vez a tendência
ao mau presente na nossa alma (vício), se não lutarmos contra ela, agiremos
mau neste caso e naquele outro (pecado).
Não é possível existir na
nossa alma, ao mesmo tempo, as virtudes e pecados mortais. Um anula o outro.
Sabemos que viver na virtude quer dizer possuir no coração a maior de todas as
virtudes, que é a Caridade, junto à qual todas as outras virtudes vêm
se abrigar. Quando cometemos um pecado mortal, estamos realizando um ato que
contraria a Caridade, o amor de Deus. Apagamos do nosso coração esta virtude
que nos trazia a presença de Deus tal como Ele existe no Céu. É evidente que,
ao perder a Caridade, nenhuma outra virtude permanece na alma, pois sem a
Caridade não há virtude alguma.
Assim, com um único ato de
pecado, perdemos a Caridade, a Prudência, a Justiça, a Temperança etc. e
todas as demais virtudes e dons do
Espírito Santo. Que tragédia! Nada subsiste na alma daquela luz de Deus. Nosso
batismo é jogado fora e preferimos viver como aqueles que não conhecem a Deus.
A comunhão no Corpo e no Sangue de nosso Redentor passa a ser uma mentira e
profanação, ou então abandonamos de vez a santa Comunhão. Quanto prejuízo
por causa de quê? de alguma coisa muito grande, muito importante? Não! por
causa de um prazer passageiro, que logo se transforma em enjôo; por causa de um
minuto de fraqueza onde temos a evidência de toda a fraqueza da alma.
Esta é a realidade do pecado
mortal. A situação da alma é tão grave (se ela morre com um único
pecado mortal ela vai para o inferno) que Deus instituiu o sacramento da
Confissão para devolver a alegria e a liberdade aos que se tornaram escravos do
pecado. Nunca deixemos de nos confessar com freqüência, para que tenhamos força
de resistir às tentações do maligno.
Quando
pecamos
Existem dois critérios para
saber quando um ato é pecaminoso: a lei da consciência e a lei eterna.
A nossa razão possui, dentro
dela mesma, uma série de critérios que nos mostram quando um ato é bom e
quando ele é mau. Estes critérios recebem o nome de Lei natural. Todos os homens nascem com a Lei natural no coração.
Esta lei natural será embelezada, aprimorada, desenvolvida, pela reta educação,
pelo catecismo verdadeiro, pela vida de família que recebemos dos nossos pais e
mestres. Com isso, formamos nossa consciência para que ela possa sempre agir
segundo a reta razão, segundo a consciência reta. Esta é a lei da consciência
que nos leva a reagir prontamente sempre que vemos algo de errado, mesmo se não
sabemos muito bem em quê consiste o erro. É essa mesma lei da consciência que
nós consultamos quando fazemos nosso exame de consciência, antes da confissão:
o que foi que eu fiz de errado,
quais são os meus pecados?
Mas essa lei natural, da
consciência, não basta como critério do certo e do errado. É preciso que
possamos comparar nossa razão e a educação que recebemos com um modelo, e que
este modelo nos dê total confiança,
que possamos saber com certeza que não pode haver erro.
Mas será que nossos pais,
nossos mestres, nossos padres, são tão bons que possamos confiar cegamente
neles? É claro que devemos confiar muito neles, mas só Deus pode nos dar uma
confiança total.
Por isso, a regra máxima do
ato humano é a Lei Eterna, a Lei
de Deus, não como ela se encontra na nossa consciência, mas como ela
existe no próprio Deus.
A nossa consciência só
poderá ser critério de bem e de mal na medida em que ela corresponder à Lei
Divina. Se ela contrariar a Lei de Deus, evidentemente nossa consciência estará
errada e o ato será mau.
Vemos então que todo pecado
é um ato desordenado, ou seja, que
contraria uma ordem, uma regra, uma lei. Vemos também como as regras que
aprendemos em casa, no catecismo, na escola (na boa escola), não foram
inventadas pelos homens só para nos aborrecer: elas vêm de Deus, por isso elas
são santas, sagradas e devem ser respeitadas sempre. Quando confiamos em nossos
pais, em nossos mestres ou nos padres, é porque sabemos que
eles nos ensinam o que vem de Deus, para o nosso bem e para o bem de
todos.
Divisões
do pecado
Podemos dividir os atos
pecaminosos de diversas maneiras:
Espirituais
- pecados cometidos interiormente, no pensamento, por um sentimento ou um
desejo.
Carnais
- pecados cometidos com a participação
do corpo, como os que são provocados pela gula ou pela luxúria.
contra
Deus - são os mais graves porque são
feitos diretamente contra Deus. (blasfêmia, heresia, etc.)
contra
si mesmo - quando ferimos a
regra da consciência certa. Fazemos algo que nós mesmos reprovamos.
contra
o próximo - como vivemos em sociedade, muitas vezes ofendemos ao próximo
no nosso relacionamento com as outras pessoas.
por
pensamento
por
palavras
por
atos
Essas divisões são apenas
alguns detalhes de como devemos considerar os pecados, analisando nossos atos e
nos arrependendo do que é mau. No fundo, o que conta é que tenhamos uma
vontade firme de nunca ofender a Deus, de amá-Lo com tanto fervor que nunca
aceitemos a morte da alma, como também não desejamos a morte do corpo. Todos
os dias devemos pedir ao nosso bom Anjo da Guarda que nos proteja e nos
aconselhe, para que na hora da tentação, daquele combate terrível que se
passa no nosso coração, que saibamos reagir e vencer, com Nosso Senhor e sua Mãe
Santíssima.
Todos os dias devemos repetir
com São Domingos Sávio: