Esta breve porém densa reflexão histórico-teológica do professor Paulo Pasqualucci, antigo professor de Filosofia do direito na Universidade de Perusia, na Itália, foi traduzida da publicação Si Si No No em sua versão francesa “Courrier de Rome” de dezembro de 2001.
Constitui um resumo bem documentado da crise da Igreja Católica que explodiu nos anos 60 do século XX. Não podemos deixar de achar que estamos diante da “abominação da desolação posta no lugar santo” (S.Mateus 24, 15)! Busquemos portanto entender (“aquele que ler entenda”) o que Nosso Senhor espera de nós.
O ACONTECIMENTO CAPITAL DO SECULO XX
Paolo
Pasqualucci,
A
perda da fé pela Hierarquia católica
Até
bem pouco tempo as pessoas mais ou menos cultivadas, em geral, estimavam que o
acontecimento capital do século XX fora a Revolução Russa, com a conseqüência
da expansão mundial do comunismo. Mas depois da queda do Muro de Berlim (1989)
e a dissolução auto-imposta da União Soviética, de um dia para outro o
esquecimento desceu sobre o marxismo e sobre sua realização pratica. Então,
que outro acontecimento? Poderia haver um mais importante do que as revoluções,
as duas Guerras Mundiais, os genocídios, a chegada do homem à lua e outros
acontecimentos e fenômenos terríveis e extraordinários do século que
terminou? Para
nós há um acontecimento de extrema gravidade, capaz de suscitar a justa
cólera de Deus em relação ao mundo: a perda da Fé por grande parte da
hierarquia católica, que emergiu a partir do Concilio Ecumênico Vaticano II
(1962–1965). Naturalmente nos referimos à fé tal como resulta dos documentos
oficiais do Magistério atual.
O
indício dessa perda da Fé é o louvor do mundo, inimigo do Cristo.
Como
o mundo, por definição “reino do príncipe desse mundo”, se entusiasmou
tanto por um Concilio Ecumênico que deveria ex officio condenar
seus erros e repetir a doutrina e a moral professada pela Igreja durante
dezenove séculos? Os cantos de vitória pelo “espírito de abertura”
dirigidos aos valores professados pelo homem contemporâneo não cessam, espírito
de abertura manifestado pelo Vaticano II, que substituiu as condenações pela
misericórdia, os anátemas pela compreensão, as conversões das almas ao
Cristo pela procura do “dialogo”: pôs assim o dialogo com o erro no lugar
do dialogo tradicional com o errante para a salvação de sua alma. Esse mundo não
se cansa de repetir, aliás em uníssono com a atual Hierarquia,
que o Concilio representou (finalmente) o “aggiornamento” da Santa
Igreja aos valores seculares que ela tinha rejeitado sempre, no passado: da ciência
ao progresso, da liberdade de consciência à dignidade do homem, à
fraternidade universal, à procura coletiva da felicidade terrestre. Mas se os
filhos do Século louvam o Concilio daqueles que Nosso Senhor chamou para os
converter pela pregação e o exemplo e se os filhos do Século o louvam
precisamente porque aqueles decidiram ir ao encontro da “religião do homem”
(Paulo VI), em suma, se eles o louvam pela inversão antropocêntrica que
se produziu de modo aparentemente improvisado no catolicismo oficial, isso
significa que esse Concilio não foi uma coisa boa e que nele penetraram as
trevas do Século.
Prova:
A mudança doutrinal
A
atualização da doutrina da Igreja à realidade de nosso tempo, - dizem – não
foi capaz de atacar o “deposito da fé”, quer dizer os dogmas ensinados
desde sempre. Esta é a tese oficial: “aggiornamento”, sim; “mudança
doutrinal”, não. Trata-se, em todo caso, de uma tese necessária. A Santa
Igreja – é de fé – sempre gozou da assistência do Espírito Santo no que
diz respeito ao dogma da fé e a regra dos costumes. Mudar, mesmo parcialmente,
a doutrina até aqui ensinada (sobre a fé e sobre os costumes) permitiria a
evidente e inaceitável conclusão segundo a qual o Espírito Santo, no passado,
teria se enganado (e com o Espírito Santo os Mártires, os Santos, os Papas) ou
não teria assistido a Santa Igreja! É por isso que não
pode haver novidade nesse ponto e se, por infelicidade, houvesse alguma,
seria um erro para se retificar o mais rápido
possível para a Gloria de Deus e a salvação das almas.
Existe
toda uma literatura sobre as mudanças doutrinais introduzidas ou promovidas
pelo Vaticano II, pouco conhecida do grande publico, mas que não é menos válida;
uma antecipação, se assim podemos dizer, das tomadas de posição de muitos
entre os Padres do Concilio, da minoria fiel ao dogma. Basta pensar no
intelectual católico Romano Amerio, morto há alguns anos, ilustre especialista
de Campanella e do pensamento ético de Manzoni, autor de uma magistral análise
– traduzida em francês, inglês e espanhol – sobre os múltiplos desvios do
pós-concilio, provocados na raiz (é a tese muito documentada de Amerio) pelas
“novidades” ambíguas introduzidas pelo Concilio, algumas das quais com odor
de heresia (1). Amerio e outros pesquisadores acentuaram as ambigüidades e
duplo sentidos presentes nos documentos conciliares, que misturam as proposições
fiéis ao dogma com outras que o alteram e
algumas vezes o contradizem. E essa ambigüidade, já
presente no ensinamento de João XXIII, ficou agarrada como uma película
venenosa ao magistério pós-conciliar até hoje.
Pequeno
florilégio dos erros e ambigüidades conciliares
1) Na constituição Lumen
Gentium,que trata da noção própria de
Igreja, aparece claramente uma definição errada da Igreja,
porque afirma, no artigo 8, que a
“Igreja do Cristo” subsiste na Igreja católica e que à “Igreja do
Cristo” pertencem também “ elementos de santificação” e “verdades
exteriores à Igreja Católica”. Durante dezenove séculos foi ensinado que a
Igreja Católica é a única e verdadeira Igreja do Cristo, porque foi fundada
por Ele e constitui Seu Corpo Místico, único depositário da Verdade Revelada,
na continuidade do ensinamento dele recebido e transmitido por são Pedro e
pelos apóstolos a seus sucessores e aos Padres da Igreja, mantido “de mão em
mão” (Concilio de Trento ) até hoje. Quem disso se separou foi considerado
– a justo titulo – como cismático (seitas e não Igrejas) e, mais, herético,
se professou doutrinas contrárias ao depósito da fé (como os luteranos,
anglicanos, etc...). As comunidades cristãs que se afastaram da Igreja não
podem, enquanto tais, conceder a salvação a seus membros: tendo se separado da
única e verdadeira Igreja, estão privadas da ajuda do Espírito Santo, sem a
qual a salvação da alma não é possível. E
todas as outras religiões o podem ainda menos. Não
tendo sido fundadas pelo Filho de Deus (que além disso não querem reconhecer)
não podem ensinar a Verdade que nos foi revelada
sobre os divinos Mistérios e sobre os costumes.
Foi
assim que a Santa Igreja sempre ensinou. Diz ela, por acaso, que aquele que não
é católico está a priori condenado à
pena eterna? Não, porque sempre ensinou que podemos nos salvar com o
batismo de desejo: explícito, quando aquele que
pede o batismo, ainda estando fora da Igreja, já vive se esforçando para fazer
a vontade de Deus, mas morre antes de receber o batismo; implícito, quando,
estando, sem falta própria, fora da
verdadeira fé, o não católico vive no entanto procurando fazer em tudo a
vontade de Deus, afim de não morrer em estado de pecado mortal: ele se salva em
sua religião mas não por intermédio de sua religião (2). O Vaticano II
contradiz essa doutrina quando insere na Igreja do Cristo, ao lado da Igreja católica,
“elementos de santificação e de verdade” ou ainda de salvação,
representados pelas outras denominações cristãs enquanto tais,
com suas falsas doutrinas, já
formalmente condenadas pelo Magistério. As seitas são assim impropriamente
elevadas ao nível de “Igrejas”: isso está expressamente no artigo 3 do
decreto conciliar Unitatis Redintegratio
sobre o ecumenismo. Trata-se de erro teológico manifesto ao qual se acrescenta
também um erro de lógica no artigo 4 seguinte, onde se diz que só a Igreja Católica
mantém “toda a plenitude dos meios de salvação” (não mais portanto a unicidade)
enquanto que as “Igrejas” dos protestantes e dos cismáticos , enquanto tais
constituindo “meios de salvação” utilizados pelo Espírito Santo (!),
mostram “carências”. Já que a salvação é evidentemente sempre a
mesma (o céu), não se compreende segundo qual
lógica os “meios de salvação” dos protestantes e dos cismáticos,
afligidos por “carências” e pois deficientes, podem por si mesmos conceder
a mesma salvação que aquela que é oferecida pelos meios de salvação da
Igreja Católica, meios que não sofrem essas “carências”.
Os
heréticos e os cismáticos fariam então parte da “Igreja do Cristo”: é
por isso que não se lhes pede para retornarem à
única e verdadeira Igreja , depois de terem abjurado seus erros. De fato, o
decreto Unitatis Redintegratio não
fala de “volta” mas de “conversão” com um sentido completamente
anormal: "a unidade não deve se fazer pela volta dos separados à Igreja Católica,
porém antes pela conversão de todas as Igrejas no Cristo total, o qual não
subsiste em nenhuma delas mas é reintegrado mediante a convergência de todas
em Um” (3). Uma falsa noção de “Igreja do Cristo” é pois a base do “dialogo ecumênico”
com os ditos “irmãos separados”. A unidade à qual esse “dialogo”
aspira é pois falsa, necessariamente aberrante, inclusive no plano lógico, já
que devem fazer viver juntos a verdade e o erro: a imutável Verdade revelada
confiada à Igreja com os delírios do livre exame individual, do “simul
iustus et peccator” e outras coisas
semelhantes; a necessidade das obras meritórias para a salvação com sua negação;
o casamento “divinitus” indissolúvel com aquele muito solúvel dos
protestantes e ortodoxos e etc...
2)
A Lumen Gentium foi em seguida
marcada por uma concepção errônea da colegialidade episcopal. Com efeito, a
suprema potestas iuridictionis sobre
a Igreja, que é outorgada pelo
direito divino ao papa, foi atribuída (pelo artigo 22) também ao colégio dos
bispos em união com o Papa, coisa nunca antes admitida. Temos, pois, dois
titulares do poder supremo (um autentico absurdo jurídico) com a única diferença
de que os bispos não a exercem sem a autorização do Papa. Em substância,
essa fórmula de compromisso deixa as conferências episcopais praticamente
livres para exercer as amplas autonomias e competências que lhes são
reconhecidas ex novo pelo Concilio
(decreto Christus Dominus, artigo
37), sobretudo em matéria litúrgica, para experimentar e adaptar os ritos às
culturas locais (constituição Sacrosanctum Concilium, artigos
22,39, 40). O controle da Santa Sé sobre o comportamento dos bispos se reduziu,
em substância, a constatar as iniciativas das Conferencias Episcopais, agora
que a “potestas” da qual estão investidos colegialmente
os bispos é “suprema” como a do Papa. As Conferências Episcopais
assim pulverizaram a autoridade de cada bispo (a titulo individual). A
autoridade do Papa e a autoridade do bispo sofreram uma diminuição
impressionante dando vantagem à autoridade do coletivo dos bispos, que goza
mesmo de poderes legislativos. A constituição hierárquica da Igreja foi
subvertida pela instauração de uma oligarquia episcopal.
Alem
disso, a Lumen Gentium trouxe uma
outra modificação (artigo 9 e seg.) à noção de Igreja, concebida não como
“corpo místico do Cristo” (São Paulo) mas como “povo de Deus”. Agora
é a comunidade dos fiéis, presidida pelos
padres, que vem a ser a Igreja, como se esta última devesse se constituir
essencialmente a partir de baixo, nas assembléias que
constituem a Igreja local, a soma das
quais constitui a Igreja Universal. Assim a parte é tomada pelo todo – o
“povo de Deus” pela totalidade da Igreja – com o fim de introduzir aí uma
visão democrática, próxima ao modo de
sentir dos protestantes heréticos, totalmente estranhos à Tradição, a qual,
evidentemente, sempre se manteve firme sobre a origem e a natureza sobrenatural
da Santa Igreja, manifestada e garantida por sua organização hierárquica.
3)
Em contra partida, a constituição Gaudium et Spes que
trata da relação da Igreja (a “Igreja do Cristo” ex. artigo 8 da Lumen
Gentium) e o mundo contemporâneo, sofre manifestamente de um
antropocentrismo difuso, totalmente incompatível com a sã doutrina. No artigo
3 está dito que o “objetivo da Igreja...é salvar o homem, edificar a
humanidade... por conseqüência... o Concílio, proclamando a grandeza eminente
da vocação do homem... oferece à
humanidade a cooperação sincera da Igreja, em vista de instaurar essa
fraternidade universal que corresponde a essa vocação”. Note-se bem: não se
pensa em “salvar o homem” pecador por meio da conversão ao Cristo, único
que lhe torna possível a vida eterna (Mc. 16, 15-16; Mt.28, 18-20). Não. , Essa
Hierarquia pensa conseguir a
“salvação” pelo engajamento na instauração da terrestre e mundana
“fraternidade universal”, que não tem nada a ver com o fim sobrenatural próprio
da Igreja. É a fraternidade das ideologias leigas apodrecidas pelo tempo, das
quais a Gaudium et Spes não
hesita em extrair outras sementes: “as vitórias da humanidade [e quais seriam
elas?] são um sinal da grandeza de Deus e o fruto de seu inefável desígnio”
(artigo 34); “o progresso terrestre... é de grande importância para o Reino
de Deus” (artigo 39), etc. Essa exaltação do homem encontra acentos
impressionantes no artigo 22: “O Cristo...desvela também plenamente o homem a
si mesmo e lhe manifesta sua altíssima vocação”. Parece que Nosso Senhor não
veio para salvar os pecadores que cressem Nele e se convertessem ("não
vim chamar os justos, mas os pecadores” Mc. 2,
17) mas para fazer os homens tomarem consciência dessa grande coisa que ele,
homem, é, para exaltar o homem! A altíssima vocação do homem resultaria de afirmações como as seguintes: “que o homem é
a única criatura que Deus quis por ele mesmo” (art. 24 cit.) enquanto que “com
a Encarnação o Filho de Deus se uniu de certa maneira a todo homem”
(art.22 cit.) Por isso os homens “todos, resgatados por Cristo, gozam da
mesma vocação e do destino divino” (art. 29). Difunde-se aqui os germes
de uma doutrina que nunca fora antes ensinada pela Igreja (porque Deus fez todas
as coisa para “Ele mesmo”, para sua glória e nada “para ela mesma”, nem
mesmo o homem) (4), e que essa doutrina terá, como é conhecido, seu
desenvolvimento no pós-Concílio: que Nosso Senhor, com a Encarnação seria,
em certo sentido, unido a todo homem, de modo a poder considerar – por esse único
fato – que todos os homens já estariam resgatados, sem necessidade de sua
conversão ou de seu retorno ao Catolicismo. E é com essa falsíssima premissa
(uma verdadeira armadilha para seus partidários) que se instaurou o
“dialogo” com as outras religiões, para poder constituir com elas também
uma unidade planetária, sincretismo não
menos monstruoso do que o que é procurado com os heréticos e os cismáticos.
4)
O Concilio deveria, em seguida, ter repetido a doutrina de sempre sobre as duas
fontes da Revelação (a Sagrada Escritura e a Tradição), sobre a inerrância
absoluta da Escritura, sobre a plena e total historicidade dos
Evangelhos. Mas na constituição Dei Verbum sobre
a revelação divina, esses princípios fundamentais são antes expostos de modo
ambíguo (nos artigos muito contestados 9, 11, 19),
com expressões que, em um caso, (no artigo 11) se prestam a interpretações
inteiramente opostas, da qual uma
reduz a inerrância apenas à “verdade
consignada na Escritura para nossa salvação”. O que equivale na pratica a
uma heresia porque isso põe em dúvida o caráter absoluto da
inerrância das Escrituras Santas.
5)
O Concílio, em seguida, pôs em obra a reforma litúrgica, cujos tristes
efeitos estão, há anos, sob as vistas de todos. A antiqüíssima e venerável
liturgia católica da Santa Missa, coração do Catolicismo, desapareceu,
substituída por um novo rito, em língua vulgar, que os Protestantes puderam
declarar teologicamente aceitável! De fato, seu Institutio (1969
e 1970) não nomeia nem o dogma da Transubstanciação nem o caráter propiciatório
do Sacrifício (graças ao qual nossos pecados nos são perdoados) que também
constitui um dogma de fé (Denz. Schönm 938/1739-1741;950/1753). Ao contrario o
acento é posto, à maneira protestante, não no Sacrifício do Senhor mas no
banquete que é o seu memorial ou
antes o memorial da Ressurreição (mistério pascal) mais do que da Cruz,
oferecido para a assembléia dos fiéis
sob a presidência do padre, assembléia
que agora concelebra no mesmo plano que este último. Nessa missa, o
Sobrenatural da verdadeira Missa católica, a repetição
incruenta do Sacrifício da Santa Cruz por meio da transubstanciação do pão e
do vinho em corpo e sangue do Senhor, desapareceu, sabendo-se que
o Institutio se limita a
mencionar uma “presença real” indiferenciada, não qualificada e não
qualificadora, porque considera da mesma maneira a
assembléia dos fiéis, a pessoa do ministro, a palavra do Cristo e as espécies
eucarísticas. (5).
Os
últimos estudos puseram em relevo de modo categórico porque o novo rito não
pode de maneira nenhuma se
definir como católico. Com efeito, “foi afastado do Rito da Missa
tudo o que poderia ter uma relação com a pena devida pelo pecado, como também
a finalidade propiciatória da Missa”.
Além disso, segundo a heterodoxa teologia
“dita do mistério pascal”, considerando o rito memorial capaz, por si só, de tornar presente,
fora do tempo humano, os mistérios
da morte e da ressurreição do
Cristo, a reforma litúrgica modificou profundamente a estrutura ritual da Missa
até o ponto de eliminar sua dimensão
precisamente sacrifical (6). Isso tornou-se possível também pela utilização
de uma noção de símbolo muito particular, de aparência esotérica - a nosso ver – que lembra as tenebrosas tanto quanto
falaciosas doutrinas de um René Guénon e Cia.
Já
que a teologia do mistério pascal considera a Eucaristia não mais como um
sacrifício visível mas como um símbolo que torna misteriosamente
presentes a morte e a ressurreição do Senhor e
que permite, através destes fatos, o contacto com o Cristo glorioso, a
presença do Cristo Sacerdote e Vítima cedeu o passo, na ação litúrgica, àquela do Kyrios
que se comunica à assembléia (7). E uma tal, imprópria, quase mágica noção
de símbolo, contribuiu para a elaboração de uma nova noção de Sacramento,
naturalmente diferente daquela que pertence ao deposito da fé (8). Pois bem,
essa incrível missa do Novus Ordo já estava antecipada nos artigos 7, 10, 47, 48, 106 da constituição
conciliar Sacrosanctum Concilium sobre
a reforma litúrgica, a qual, além disso, nos artigos 21, 24,37, 38, 40, 90,
119, considera também a simplificação do rito,
para o tornar mais fácil, mais adaptado (!) à cultura profana,
nacional e local; atualização a ser conseguida através da criatividade
e experiências litúrgicas.Todas
essas novidades vão expressamente contra todos os ensinamentos da Igreja. Isso
provocou os diversos e múltiplos ritos hoje dominantes, do afro-católico (que
se exibe com danças e tambores dentro da própria Basílica de São Pedro em
Roma), ao índio-católico, às variantes nacionais e locais e aos ritos
pessoais dos diferentes oficiantes de serviço. À ortodoxia e à majestade do
Rito Romano Antigo cujo cânon remonta aos Apóstolos, sucedeu a Babilônia do
novo rito submisso à aculturação, fruto de uma doutrina perversa.
6)
O Vaticano II mostrou que aceitava o conceito leigo da liberdade como
“libertas a coactione – liberdade de não ser coagido”, ontologicamente
fundada na dignidade do homem enquanto homem, para justificar o caráter lícito
de não importa qual culto religioso (declaração conciliar Dignitatis humanæ,
artigos 2, 3, 4,). O Concilio justifica assim a
liberdade entendida como autodeterminação absoluta do indivíduo, de
um individuo que se considera realizado e auto-suficiente, enquanto que a Igreja
sempre ensinou que a liberdade não pode se separar da Verdade
(revelada) e que a dignidade da pessoa fica obscurecida se nela falta a
retidão da vontade que procura o Bem, porque essa dignidade está fundada sobre
valores sobrenaturais e não sobre o homem enquanto homem (9). E o Concílio,
por conseqüência, introduziu a idéia da livre procura da verdade por parte da consciência individual, com suas próprias forças
naturais, apenas e em união com os homens de boa vontade de todas as crenças e
de toda fé (Gaudium et Spes,
16), o que é menos católico do que se possa imaginar. Essa colocação
conduziu, por fim, à afirmação de uma substancial independência da
“comunidade política” em relação à Igreja: uma e outra teriam em comum
somente o fato de estar “a serviço” de uma geral “vocação pessoal e social entre os homens”, de modo a poder
realizar uma “sã colaboração segundo as
modalidades adaptadas às circunstancias de lugar e de tempo” (Gaudium
et Spes, 76) ou ainda segundo os critérios
de simples oportunidade. Mas isso se opõe ao ensinamento constante da Igreja,
segundo o qual a Igreja tem um primado sobre a “comunidade política” e essa
última, mesmo em sua independência relativa, deve contribuir para a salvação
das almas por meio da realização e a defesa de um bem comum inspirado nos
valores católicos. Deveríamos continuar e pararmos por exemplo nas análises
irreais do mundo contemporâneo contidas em Gaudium et Spes, maquiadas
com os piores lugares comuns, tirados das ideologias leigas correntes
de então e de hoje ou na imagem
adocicada e não verídica das religiões não cristãs, apresentadas no artigo
16 de Lumen Gentium e
pela declaração conciliar Nostra Ætate. Mas
o que dissemos até aqui nos parece suficiente.
A
despeito do castigo, a esperança.
A
partir dessas rápidas visões, rigorosamente fundadas sobre textos,
compreende-se que aconteceu alguma coisa semelhante ao que espantava Giuseppe
Prezzolini, para justificar (apesar de ser um leigo) a condenação infligida
por santo Pio X em 1908 à heresia modernista [que
queria, justamente, adaptar a fé ao mundo moderno, quer dizer à ciência, à
filosofia, à democracia, ao progresso, à fraternidade universal, ao sentimento
e à liberdade individual, às culturas nacionais, etc, retirando
dela, de fato, todo elemento sobrenatural] :
“Os desejos dos modernistas
teriam logicamente levado à destruição do catolicismo e a sua transformação
em uma religiosidade vaga e geral e, no fundo, em uma cópia ruim do socialismo”.
Não
obstante a condenação, a heresia modernista se manteve escondida na espera de
“tempos melhores”, que já começaram a aparecer nos anos vinte e trinta do
século passado, com a Nova Teologia, sobretudo
na Alemanha e na França. Essa Nova Teologia retomou e desenvolveu os erros do
modernismo, conseguindo em seguida penetrar
amplamente nos textos do Concílio, não obstante as censuras e as condenações
(aliás moderadas) de Pio XII, evidentemente partilhadas por alguns setores,
tanto do alto quanto do baixo clero (porém mais do alto clero). Isso pôde
acontecer porque
o Vaticano II quis se declarar como um simples concilio pastoral,
que não pretendia pois definir nem
dogmas, nem erros. (Nota lida “in
aula” dia 16 de novembro de 1964), renunciando
assim de modo inusitado ao carisma da infalibilidade, intrínseca ao magistério
extraordinário de um autêntico concílio ecumênico. (A natureza jurídica do
Vaticano II ficou então indeterminada). Essa
singular “capitis deminutio – redução da autoridade”
de sua parte tem por conseqüência que a crítica das novidades introduzidas
por esse Concilio não contradiz o dogma da infalibilidade que o Concilio não
requereu nem proclamou.
O
castigo não se fez esperar. As igrejas, os conventos, os seminários se
esvaziaram. Os padres e as freiras parecem uma espécie em via de extinção e
aqueles que ainda há parecem, em grande número, possuídos por uma mentalidade
de protesto, inclinados à rebelião e às reivindicações sociais, mais à política
do que ao cuidado das almas. A unidade católica foi – de fato - dissolvida em
“igrejas” nacionais e continentais, governadas por suas Conferências
episcopais respectivas. O mundo católico vegeta em um clima de anarquia
substancial, contra o qual a Santa Sé se mostra sempre impotente. (E não poderá
começar a remediá-lo, segundo nós, enquanto não forem retirados os obstáculos
que a própria Santa Sé colocou ilegitimamente contra a livre celebração da
verdadeira Missa de Rito Romano antigo, da verdadeira Missa católica, declarada
perpetuamente válida por são Pio V e nunca ab-rogada por quem quer que seja, e
que portanto não cessou jamais de ser legitimamente celebrada, mesmo que seja
por uma pequena minoria, a partir de 1969, ano da introdução do Novus
Ordo).
O
Catolicismo não atrai mais ninguém, seu prestígio nunca esteve tão baixo
enquanto que os católicos apostasiam em número cada vez maior. As nações católicas
estão tomadas pelo indiferentismo religioso o mais avançado e por uma
espantosa dissolução moral e civil, cujos germes preexistiam em virtude do
materialismo e do ateísmo difundidos de maneiras diferentes, mas
complementares, pelos dois modelos dominantes, o americanismo e o comunismo. Em
seguida, nas duas últimas décadas, uma migração assassina de povos,
principalmente muçulmanos, começou a se abater sobre as nações católicas,
assim como sobre todo o resto do “Ocidente”.
A
terra parece toda corrompida (Gen. 6,11).
Nosso Senhor, Filho de Deus, consubstancial ao Pai, instituiu sua Igreja para a
salvação do mundo: “Ide ...fazei de todos os povos meus discípulos...”(Mat.
28,19).Se a fé da maior parte dos pastores, infelizmente, se corrompe, quem
converterá o mundo, quem o salvará? Devemos nós então desesperar com o
futuro? Não, porque Nosso Senhor disse que “as portas do inferno não
prevalecerão” sobre a Santa Igreja (Mat. 16,18). Esperamos, pois, se Deus
quiser, que desde o princípio do século XXI, a hierarquia comece a rasgar o véu
das falsas doutrinas que desde muito tempo lhe cobre o rosto, que escute
finalmente o grito das almas imersas nas trevas, que volte a pregar o dogma da fé
e se apresente outra vez a seu rebanho com toda a audácia da fé.
Desejamos
que todos os povos comecem a sacudir, pela graça de Deus, o hedonismo, o
materialismo, o vazio mental e a nulidade espiritual que os destroem atualmente,
para que reencontrem a convicção de sua missão. Não
é a política mas a religião que é tudo! É preciso se levar em conta que o
reino da política acabou e que os povos, assim como os indivíduos, devem fazer
a vontade de Deus, do verdadeiro Deus Uno e Trino. O resto não conta.
Ousemos esperar que as nações católicas voltem reconhecer como suas a
obrigação de “tudo instaurar em Cristo”: a restauração do
catolicismo como doutrina e forma de vida, para a nossa salvação e para
a salvação do mundo, de modo a poder um dia reconhecer-se inteiramente num
Papa que ouse, finalmente, elevar bem alto o estandarte da Fé.