CARTA À SUA SANTIDADE JOÃO PAULO II
Santa Bárbara, 02 de Agosto de 1991
Santíssimo Padre:
Após séria deliberação, eu decidi escrever esta carta para abrir a minha alma e manifestar diante de Vossa Santidade, de Deus e da Igreja, aquilo que para mim é um sério dever de consciência: que a vida de Monsenhor José Maria Escrivá de Balagüer, a qual eu testemunhei por muitos anos, não era admirável e muito menos digna de imitação. Seu processo de beatificação prejudicaria seriamente a Igreja e as almas, uma vez que isso deixaria implícito que o modo como ele viveu e ensinou no Opus Dei, fundado por ele, foi exemplar.
Eu conheço Opus Dei muito bem, porque eu fui um membro numerário por quase vinte anos (1948—1966), durante seis dos quais eu vivi em Roma (1952—1956 e 1965—1966). Eu fui secretária pessoal de Monsenhor Escrivá e Superiora do Governo Central do Ramo feminino do Opus Dei. Monsenhor Escrivá foi quem recebeu os meus votos finais no Opus Dei pessoalmente. Além do mais, eu fui a primeira Diretora de Imprensa que o Opus Dei teve em sua casa central em Roma e também fui especialmente encarregada por Monsenhor Escrivá de tomar notas e fazer registros para a posteridade de qualquer coisa que eu ouvisse ele dizer sempre que visitava a casa feminina. Em 1956 fui enviada à Venezuela como Diretora do ramo feminino do Opus Dei naquele País, onde obtive a cidadania venezuelana, a qual ainda mantenho. Deixei a Venezuela em 1965, quando Monsenhor Escrivá me convocou para servi-lo em Roma e ali permaneci até a minha saída definitiva do Opus Dei em 1966.
Agora eu vejo os superiores do Opus Dei apressarem os passos dessa beatificação, esgotando todos os recursos humanos, sociais, políticos e financeiros, porque julgam que se não forem bem sucedidos durante o seu Pontificado, Santíssimo Padre, talvez, séculos passarão antes que eles possam conseguir esta beatificação. Depois de terem conseguido a mudança jurídica de status, de Instituto Secular para Prelatura Pessoal, a única meta e objetivo do Opus Dei é fazer do seu fundador um santo.
Eu desejei testemunhar no processo de Monsenhor Escrivá no tempo apropriado, mas não me foi permitido fazê-lo. Além disso, me foi expressamente indicado pelo Padre Dom Joaquim Aznar Cleofas, o qual eu visitei em Madri em outubro de 1981 e que era um “Advocatus diabolis”, que não me permitiriam testemunhar.
Dada a extrema importância e repercussão do que possivelmente está para acontecer e compreendendo que o meu testemunho possa ser crucial, eu estou pronta Santo Padre, para ser diretamente interrogada por Vossa Santidade, no modo que o Senhor escolher, indo a Roma no dia e horário que Vossa Santidade escolher.
O modo de atuação do Opus Dei, sua grande influência e suas manobras dentro da Cúria Romana, já são bem conhecidas por muitos e há muito tempo. Mas infelizmente, durante todo o processo de beatificação do Monsenhor Escrivá, isso pode ser especialmente verificado dentro da Congregação para a Causa dos Santos, onde Sua Eminência, Pietro Palazzini está encarregado. Portanto, eu suplico-lhe Santo Padre, que se Vossa Santidade não puder ouvir-me pessoalmente, em um assunto tão importante para o bem estar da Igreja e das almas, que pelo menos, aceite designar um juiz para a audiência, que seja da sua total e pessoal confiança e que não tenha a menor relação com o Opus Dei.
Se o Opus Dei perceber o meu desejo de testemunhar diante de Vossa Santidade, eu não descarto a possibilidade de que eles tentem interferir no meu testemunho, seja de alguma forma impedindo a minha presença física no Vaticano, ou seja, através de um sutil ou não tão sutil ataque pessoal que espalharia dúvidas sobre a minha integridade moral; e não seria a primeira vez que eles recorreriam a tal procedimento, como demonstram vários documentos que eu tenho em meu poder. Por esse motivo, eu me vi obrigada a guardar os originais dos documentos que eu possuo em diferentes e seguros lugares sob proteção legal. Todo esse material, em última análise, cairia em domínio público caso algo venha a acontecer-me.
Por muito tempo eu desejei ardentemente falar diretamente a Vossa Santidade como uma filha a seu pai, abrir o meu coração que sofre por causa das conseqüências deste evento, e também ser capaz de responder a qualquer questão que Vossa Santidade possa levantar, mas infelizmente, não me foi permitido aproximar-me da Vossa Santidade, apesar das minhas várias viagens a Roma.
É meu fervente desejo Santo Padre, que desta vez, para o bem da Igreja universal e de todas as almas, esse processo de beatificação, o qual o Opus Dei deseja tão precipitadamente acelerar e abreviar, seja prolongado o mais longamente possível. Deste modo, um escândalo seria evitado e um amplo espaço de tempo seria dado para que se investigasse o caso profundamente. Juntamente com o já familiar testemunho daquelas pessoas que foram unilateralmente apresentadas por membros ou superiores do Opus Dei, poderiam ser tomados também os testemunhos daqueles outros que conheceram o Monsenhor Escrivá intimamente, que passaram mais de 15, 20 ou 30 anos dentro do Opus Dei, e que tinham algo a declarar mas não foram chamados ou não lhes foi permitido testemunhar só porque não fazem mais parte do Opus Dei.
Os superiores do Opus Dei temem estes testemunhos porque fatos verdadeiros viriam à luz e eles não gostariam que tais fatos jogassem uma luz diferente sobre a imagem que eles tentam projetar da vida de Monsenhor Escrivá. Portanto, eles fazem qualquer coisa que estiver em suas mãos, para que aquelas pessoas, cujos pontos de vista não coincidem com o que eles querem fazer prevalecer, sejam consideradas inadequadas ou testemunhas não-dignas de confiança.
Santo Padre, eu anexo a essa carta uma série de rascunhos de eventos aos quais eu estava presente, participei e ouvi durante os meus anos dentro do Opus Dei.. Embora esses eventos não sejam tudo que eu sei, eles podem oferecer a Vossa Santidade uma diferente perspectiva da vida real de Monsenhor Escrivá. Eu poderia acrescentar outros eventos ainda mais sérios e individualmente documentados sobre a minha experiência pessoal com Monsenhor Escrivá, os quais eu estou preparada para declarar na presença de Vossa Santidade.
Também, anexo um rascunho em seu atual estado, de um trabalho que eu preparei comentando o documento apresentado pelo Opus Dei à Santa Sé com a petição para a mudança de Instituto para Prelatura Pessoal. Eu posso assegurar a Vossa Santidade que os meus comentários em cada ponto refletem toda a verdade.
Eu conheço um grande número de pessoas que ainda temem represálias do Opus Dei e que com a consciência atribulada permanecem em silêncio. Essas pessoas falariam apenas a pedido de Vossa Santidade e seus testemunhos, os quais seriam de grande importância e que poderiam ser especialmente de peso na decisão final de Vossa Santidade, não poderiam ser obtidos de nenhuma outra forma. Por exemplo, eu posso colocar à disposição de Vossa Santidade o nome de um membro feminino do Opus Dei, que foi numerária por trinta anos e que saiu da organização há apenas dois anos atrás. Ela me assegurou que a menos que fosse convocada por Vossa Santidade, jamais falaria com ninguém, por temer possíveis represálias do Opus Dei.
Eu creio no Espírito Santo e confiando em sua intercessão, espero que Vossa Santidade ouça o meu apelo.
Com toda a humildade, sua filha em Nosso Senhor requer a sua bênção.
Maria Del Carmem Tapia
Traduzido do Livro “Beyond the Threshold” Páginas 354—356, Appêndice-C,
Autora: Maria Del Carmem Tapia