Boletim
Lettre à nos frères prêtres, nº 8, dezembro de 2000
Este boletim é distribuído pela Fraternidade São Pio X a todos os padres da
França
No
início do outono, um cardeal romano de passagem por nosso país aceitava
encontrar-se discretamente com uns trinta padres, todos em função pastoral em
diversas dioceses da França. Em número restrito pelo caráter imprevisto dessa
reunião, esses padres na força da idade resolveram dizer em alto e bom som o
que um número sempre crescente de padres pensa no íntimo: eles queriam resumir
diante de um representante romano a triste sorte da Igreja da França e a
esperança que os anima. Nessa ocasião, enviou-se ao cardeal uma carta, escrita
por um padre de paróquia que não quisera deslocar-se. É esta carta que
publicamos aqui. Tendo obtido a adesão total dos padres presentes, ela é mais
expressiva que todas as propostas que então se fizeram…
Padre
XXX, Pároco
do conjunto paroquial de XXX
A
propósito da reunião
de X-X-2000 em XXX
O convite para participar de uma reunião de padres em torno de um cardeal vindo de Roma não podia deixar de me interessar. Se a graça do sacerdócio é há X anos [entre 10 e 15] a alegria constante de minha vida, e se creio profundamente no valor e na utilidade de minha atividade de pároco de aldeia, muitas questões se colocam: claro está que como todos os padres consagrados ao ensinamento da fé e da moral da Igreja Católica, fiéis ao costume eclesiástico e à celebração digna dos sacramentos e da missa, constato que somos criticados, marginalizados e, em todo o caso, mantidos afastados de qualquer decisão e de qualquer responsabilidade importante em nossas dioceses, que os grupúsculos que nos acusam têm todos os direitos e que certos irmãos são verdadeiramente perseguidos. Por outro lado, o imenso erro que constituiu a interdição da liturgia dita "de São Pio V" e as limitações que ela continua a sofrer seguem dividindo os católicos, e tudo o que permitir àquela liturgia reencontrar tranqüilamente seu lugar na Igreja não pode senão ser bem-vindo.
Apesar
das aparências (as belas iniciativas do Ano Santo, a multidão da Jornada da
Juventude), os problemas de fundo são muito graves, na França. Não falo
simplesmente da ruína numérica do catolicismo (batismos, catecismo, nível de
prática religiosa), das divisões entre católicos que já nem sempre têm a
mesma fé (interroguem um grupo de "praticantes" acerca da Presença
Real ou acerca da infalibilidade papal!!); falo sobretudo da crise do clero:
nenhuma melhora real quanto às vocações, a carga paroquial crescente (tenho X
grandes paróquias [mais de 10] e aguardo "receber" outras)… e falo
sobretudo da crise do jovem clero; há quinze anos está claro que ele é
majoritariamente de espírito mais tradicional, mas tal não é admitido; os
meios de comunicação "cristãos", alguns confrades, certos bispos (não
tão raros como seria de supor) criticam-nos publicamente; os (já raros)
seminaristas de espírito modernista são favorecidos, suas ordenações são
ocasião de elogios recusados a outros, e sua promoção, rápida; os
"acertos de contas" são freqüentes (de modo abafado) no clero, donde
rancores, querelas – e um isolamento crescente de cada um. Não creio que
nossos bispos (e particularmente Roma) se dêem conta do estado inquietante do
jovem clero: saídas antes da ordenação (e isto não por motivos de costumes),
entre o diaconato e o sacerdócio, e muitos também após a ordenação (e em
circunstâncias bem tristes); para os que permanecem, quantas depressões
nervosas, compensações miseráveis (álcool, costumes dissolutos,
concubinato)!; houve suicídios; e outros se refugiaram em cargos de arquivista,
de minúscula paróquia, entraram em comunidades para as quais não estavam
necessariamente preparados mais do que lhes permitia a "pastoral"
atual; quantos errantes sem diocese, "vagus"! Com respeito a todos
esses pontos, posso citar muitos fatos precisos. E é muito freqüente ouvir
jovens padres dizer que não conseguem sequer falar acerca deles com seu bispo
ou superior religioso (a reunião dos jovens padres em torno de bispos, em
Lourdes, em 1999 me pareceu, antes, um "lance publicitário"): estes não
os compreendem, buscam fazê-los "evoluir" (e alegram-se quando o
conseguem) e, quando muito, dão-lhes vagas consolações espirituais. O fato de
que a reunião de X-X-2000 seja quase secreta por medo de que o episcopado francês
a impeça é em si significativo.
Espanta-me
igualmente a segregação de todo e qualquer padre que celebre a missa de São
Pio V; chega-se ao absurdo de certas dioceses francesas em que o progressismo
esterelizou totalmente as numerosas vocações de outrora e onde os únicos
padres de menos de trinta anos não figuram no calendário diocesano porque
celebram esta missa; ou de uma diocese próxima, onde o único seminário (e que
caminha bem) não existe oficialmente, por ser da Fraternidade São Pio X!
Tudo isso é absurdo.
Eu
teria pois muitas coisas que dizer nesta reunião. Mas, após bem considerar
tudo, resolvi não comparecer, e digo por quê: diz-se freqüentemente que Roma
está mal informada do que se passa na França, mas não creio que isto seja
verdade. Desde há uns quarenta anos e, especialmente, desde a crise dos anos
60, muitos padres e fiéis têm enviado grossos dossiês repletos de fatos.
Quantos cardeais (incluído o cardeal Ratzinger) receberam longas visitas de
padres franceses! Há dois anos, um cardeal participou em X de uma reunião do
mesmo tipo que a de X-X-2000… Mas não vejo absolutamente o que isso mudou. Em
X-X-2000, reencontraremos irmãos com as mesmas aspirações, ficaremos felizes
de ouvir boas palavras de uns e de outros, e receberemos certamente muito belas
palavras de sua Eminência o Cardeal – e encontraremos as mesmas dificuldades
em nosso retorno e tomaremos conhecimento de novas nomeações episcopais na
França que nos consternarão…
Não passo um simples pároco de aldeia, mas me permitirei, para
concluir, dar minha opinião quanto à saída da crise:
Antes de tudo, confiança absoluta no Senhor Jesus e no Espírito Santo.
A Igreja depende d’Eles, e Eles varrerão o modernismo, de que não restará
mais que o vento. A promessa de Fátima, no meio da cidade em ruínas que é a
Igreja em crise (permito-me protestar contra a pouca seriedade e honestidade da
burocracia do Vaticano em querer impor uma "interpretação" do 3°
segredo de Fátima sem o mínimo valor), é que "o Coração imaculado de
Maria triunfará".
Em seguida, a certeza de que é em nossas paróquias, nossas dioceses,
nossos institutos religiosos que é preciso impor que o catolicismo reencontre
direito de cidade: se nos conseguimos entender para além das diferenças de
rito (que não são essenciais, porque temos a mesma fé católica), bem sabemos
que o modernismo instalado – porque tem o dinheiro, o poder, os meios de
comunicação consigo – é, apesar de tudo, estéril: ele não produz nada,
nem vocações, nem jovens lares cristãos, nem paróquias vivas… não produz
senão exasperados que agitam cartazes e reclamam o poder absoluto para com ele
não fazer nada de bom.
1°
Que se nomeiem na França bispos que aceitem enfim "deixar fazer a experiência
da Tradição" (em ambos os ritos, isso não é o essencial). Entre os
padres que se encontrarão com o Cardeal, alguns poderão dizer que foram
postergados nas ordens, expulsos de uma diocese, perseguidos por tal ou qual vigário
geral, capelão diocesano de ação católica, diretor ou superior de seminário
de que Roma fez bispo da França nesses últimos meses. Que é que padres podem
ouvir de bom de um bispo recentemente promovido que não cessou de lhes dizer
que "eles não eram o tipo de ministros de que a Igreja da França atual
tem necessidade"? Por que nomear (sistematicamente desde que a França tem
novo núncio) burocratas que não foram senão excepcionalmente padres de paróquia,
que já nem sequer fazem o esforço (como há alguns anos) de pôr um colarinho
romano para a foto oficial e cujos escritos e decisões anteriores revelam uma
orientação bem modernista? Responder-me-ão que Roma nos deu recentemente
belos textos (como Dominus Iesus, da Congregação para a Doutrina da Fé); mas
sem homens nem bispos para os ensinar eles não passarão de "muralhas de
papel". Sem bispos receptivos à Tradição, o jovem clero continuará a
sofrer; ora, nenhum dos últimos bispos nomeados é receptivo à Tradição.
2°
Que se diga claramente que, para a missa privada, qualquer padre de rito latino
pode sem problema de consciência celebrar à vontade a missa de Paulo VI ou a
missa de São Pio V (é bastante evidente que para a missa pública é preciso
acordo com o Bispo ou o Superior religioso). O ano 1999/2000 foi penoso, porque
houve uma multidão de respostas, de opiniões… em torno da celebração
ocasional ou não da missa de Paulo VI pelos padres que celebram a missa de São
Pio V. Em um país onde já um padre em cinco ordenados o é para a missa de São
Pio V, a questão não se coloca. Que Roma faça o gesto claro de liberar as
consciências sacerdotais.
3°
Que sejam retomadas verdadeiras negociações e encontros com a Fraternidade São
Pio X. Esta se desenvolve muito, atrai muito, é benéfica (somos numerosos os
que apreciamos a iniciativa da Lettre à nos frères prêtres). Será caridoso
agir como se estes irmãos não existissem? E espantamo-nos de ver que nenhum
gesto significativo foi feito desde 1988.
Sem
estes três pontos, a crise do clero francês não fará senão continuar.
(Carta assinada).