CARTA ABERTA AOS PADRES DE CAMPOS

 Niterói, 30 de outubro de 2001

 

Reverendíssimo Dom Licínio e caríssimos padres,

Não sou a pessoa mais indicada para lhes escrever esta carta. Não tenho pretensão de obter dos senhores um assentimento que os senhores não quiseram dar aos bispos da Fraternidade, Dom Fellay e Dom Galarreta, quando estes foram tentar lhes mostrar o tremendo prejuízo que os acordos dos senhores com o Vaticano poderiam acarretar para a Igreja, para o combate pela “Sobrevivência da Tradição”.

No entanto, tenho uma razão muito séria para escrever sobre isso e o faço com o conselho e aprovação do próprio Dom Fellay. Essa razão é que alguns dos nossos fiéis de Niterói e Rio são oriundos de cidades atendidas pelos senhores e sempre tiveram os “Padres de Campos” em alta estima e reverência. Hoje, eles não conseguem atinar com o porquê de um acordo separado da Fraternidade São Pio X e, pior, contra os conselhos e avisos dos bispos da Fraternidade.

Outra razão que me dispõe a lhes escrever é a experiência que vivi, em 1988, no Barroux, quando Dom Gérard Calvet quis, ele também, fazer um acordo com o Vaticano.

Esta é a primeira semelhança que vejo entre a atitude de Dom Gérard e a dos senhores: Mgr. Lefebvre acabara de recusar um acordo por não ver, nas intenções do Vaticano, as garantias necessárias para a sobrevivência da Tradição. Dom Gérard, considerando os interesses particulares do seu mosteiro acima dos interesses da Igreja, aceitou separar-se de Mgr. Lefebvre para recuperar uma situação jurídica e canônica “normal”, largando a espada do combate.

Hoje, igualmente, a Fraternidade acabara de recusar um acordo, pelos mesmos motivos de Mgr. Lefebvre, e os senhores preferiram considerar o bem particular dos senhores e não o bem comum da Igreja. Cansaram-se de viver dia e noite no combate e na marginalização.

Mas as semelhanças não ficam aí.

Quando a Fraternidade estava fazendo as atuais negociações, eu conversava com o Pe. Fernando ao telefone e este me deu três razões que considerava suficientes para ir adiante e fechar o acordo, ainda que sem o Vaticano ter liberado a Missa de S.Pio V:

  muitos novos viriam para a Tradição
  nós teríamos um pé dentro da Roma modernista para pregar a Tradição
  poderíamos voltar atrás, caso fôssemos pressionados.

Ora, são exatamente os mesmos argumentos de Dom Gérard, em 1988. Isso é para mim, chocante! Primeiro porque os senhores souberam criticar devidamente, então, a atitude de D. Gérard. Segundo, porque a conclusão lógica a que os senhores são obrigados a chegar hoje, é que D. Gérard teria tido razão!! Ele adiantou-se em dez anos aos senhores, o que os obriga a crer que ele teria tido mais visão das coisas do que os senhores.

Penso que não se pode negar as evidências seguintes:

  os novos que virão não estarão possuídos do desejo de se converter à verdadeira Tradição. Virão aos senhores porque os entraves jurídicos estarão retirados e não por razões de fé. Serão muito simpáticos, mas não buscarão a verdade total, aquele quê de doutrina que leva as almas ao martírio.

   estar dentro da Roma modernista, isso está provado, causa uma contaminação certa dos princípios norteadores do Vaticano II, que são insuflados em doses homeopáticas até que o fruto cai, como caiu a Fraternidade S. Pedro.

   Voltar atrás? Qual deles voltou? Eles preferiram concelebrar com o Papa a voltar atrás! E se voltarem, o que será dos fiéis das suas paróquias? Todos voltarão? Quantos ficarão presos nas malhas da legalidade? Considero essa atitude temerária e ela não leva em conta o equilíbrio das almas que lhes foram confiadas pela Providência. Os senhores regularizam no papel um falso problema de excomunhão, e os fiéis que sigam e obedeçam. E amanhã, eles que voltem atrás com os senhores!

Não consigo ver nisso o respeito pelas almas exigido pela vida sacerdotal.

Em relação à Fraternidade São Pio X, não entendo como os senhores conseguem manter uma recusa tão obstinada aos pedidos de bispos que foram em seu socorro em todas as ocasiões de suas necessidades: a Sagração de Dom Licínio, ato de extrema coragem desses bispos, pois muitos poderiam entender mal esse gesto, como alguns entenderam. Foi pensando nos senhores e em seus fiéis que esses bispos aceitaram essa Sagração.

Em seguida, os seminários da Fraternidade foram abertos aos seminaristas de Campos, recebidos como irmãos.

E além disso, quando a Fraternidade foi chamada para as negociações com o Vaticano, no início do ano 2001, os senhores foram amavelmente chamados a participar. Eles não estavam obrigados a isso, porém, mais uma vez, foram generosos e fraternos no combate pela Tradição.

Diante dessa  evidência, a recusa a atender às súplicas da Fraternidade gera para os senhores o terrível peso de uma traição. E nisso, mais uma vez, os senhores se igualam a Dom Gérard. Os senhores, talvez, não vejam a coisa assim, mas também não podem recusar, aos bispos, o direito de se sentir traídos.

E assim como a traição de Dom Gérard causou um drama terrível entre os fiéis franceses, com a divisão das famílias e a profunda decepção pelo abandono e pela fraqueza, assim também os senhores hoje, causam, para os fiéis brasileiros a mesma decepção e as mesmas divisões.

Disse, em 1988, a Dom Gérard, o que repito hoje aos senhores: milhares de fiéis esperam ansiosos que os senhores os confirmem na fé católica, no combate que nos é exigido pela Divina Providência, sem se deixar levar pelo cansaço, pela fraqueza, pelo canto da sereia da legalidade comprometida. O que Nosso Senhor exige é o martírio gota a gota e a límpida e clara profissão de fé católica, sem pacto com os modernistas do Vaticano.

O Papa, sim, a legalidade jurídica, sim. Porém, antes de tudo, responder ao nítido chamado de Deus para o combate pela fé. No dia em que o Papa se converter de verdade, isso aparecerá mais claramente do que a luz do sol. Evidentemente, não é beijando o Alcorão e indo rezar numa mesquita que ele nos mostra essa conversão.

Todos os fiéis das capelas do Rio e de Niterói rezam pelos senhores, pedindo à Virgem Maria que mova os vossos corações de volta à luz da Verdade.

In Christo et Maria

Dom Lourenço Fleichman OSB

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