O Teólogo do Papa explica o Acordo de Campos
Comentários de Dom Lourenço Fleichman OSB
Aconteceu mais cedo do que
se pensava. A máquina vaticana já está em marcha, e as estruturas montadas
para a grande encenação. É sempre assim. Ou não se percebe nada, e a vida
continua com as mentiras fazendo parte do consabido, ou a alma católica adquire
o reflexo de captar os sinais da coisa, do monstro que nos ameaça, que nos
ataca e que invade a alma para nos devorar a consciência. E se ela
percebe, pobre alma, vai ter de engolir em seco para não vomitar de náusea.
Falo da entrevista do
"teólogo do Papa" publicada discretamente pela agência de notícias
Zenit (Zenit.org). Indecente!
Antes de analisar esta
encenação, lembremos que o Vaticano sempre age desta forma. Foi assim com o
documento Dominus Iesus. A Congregação para a Doutrina da Fé lança
um documento com o aval do Papa; alguns dias mais tarde o Cardeal Ratzinger dá
uma entrevista a um jornal alemão para tranqüilizar os progressistas, que já
achavam que acabara o ecumenismo. Foi assim na divulgação do suposto 3º
segredo de Fátima, com Mons. Bertone fazendo mágica com as palavras para
dizer o que ele não disse e tentar enganar a todos. E seria interminável a
lista de exemplos.
Sexta-feira, 18 de janeiro,
os cardeais se reúnem com os bispos, na Catedral de Campos, R.J., grande festa, muita confiança, vivas e
aplausos ao Papa e ao Vaticano II, promessas de parte a parte. Domingo, 20 de
janeiro, na surdina, o Pe. Cottier O.P. publica esta entrevista. Parecem fatos
isolados, mas na verdade tudo faz parte de uma estratégia. Estranha entrevista.
A mentira começa por querer
passar a impressão de um ambiente amigável na imposição da missa nova, em
1969. Para quem lê hoje, parece que tudo era feito em plena liberdade, que os
padres podiam continuar celebrando a missa tradicional, que bastava pedir e o
bondoso Paulo VI imediatamente os atenderia. Que a tal "unidade na
diversidade" já estava prevista. Que os excessos que aconteceram foram
coisas menores etc. etc.
"Desde o princípio
– recorda Cottier – estava prevista a possibilidade em alguns casos (por
exemplo, para os sacerdotes idosos) de continuar celebrando segundo este rito.
Depois do cisma de Lefebvre, deu-se permissão à Fraternidade São Pedro
de manter viva esta tradição. Além disso, o Papa tinha pedido que ao menos
nas grandes cidades houvesse um lugar onde se celebrasse a missa em latim,
talvez até com o rito de Pio V”.
A quem este senhor quer
enganar? Por que ele mente? Qualquer católico que tenha acompanhado os
acontecimentos dolorosos da crise da Igreja lembra que não houve possibilidade
de perpetuar a missa de S.Pio V, e que os bispos afirmavam mentirosamente que a
Missa tradicional estava proibida. Essa missa protestante inventada por Paulo VI
foi enfiada goela abaixo na alma do povo fiel, que não teve a menor chance de
optar. E isso em nome de uma tal de democracia e dos direitos dos
homens!
Depois o teólogo salta
por sobre 30 anos (de grave perseguição à missa tradicional) e cai
de pára-quedas no que ele chama mentirosamente "cisma de Lefebvre",
quando todos no Vaticano sabem que não houve cisma. E vem querer insinuar que
esse "clima" favorável à missa tradicional continuou, sem solução
de continuidade, até 1988, quando, com toda a naturalidade, foi dado à F.
S. Pedro permissão de "manter viva esta tradição", enquanto o
"troglodita" Lefebvre, sem razão alguma, teria prosseguido no cisma. Senhor
Cottier, o senhor mente!
Agora a mensagem deve ser
passada, e a pergunta do "entrevistador" parece não fazer sentido com
a resposta:
- Qual é, então, a novidade deste acontecimento?
Cottier: Por trás do cisma de
Lefebvre há muito mais coisas: há a recusa do Concílio, do ecumenismo, do
princípio da liberdade religiosa. Uma recusa global tendo a liturgia apenas
como bandeira, apesar de que muita gente seguiu Lefebvre justamente por esse
motivo. Da ruptura (30 de junho de 1988) até hoje outros seguidores seus já
voltaram à plena comunhão com a Igreja Católica. Mas a condição principal
sempre foi o pleno reconhecimento da autoridade do Concílio Vaticano II. E é
isso o que o grupo principal, o de Ecône, nunca aceitou até agora.
De fato, com tantos pontos obscuros, a começar pela revolução consumada na
primeira sessão, quando todos os textos preparatórios foram jogados
literalmente no lixo, passando pelo aspecto duvidoso de muitos textos para
chegar ao pós-concílio, ainda mais revolucionário e alucinante, muitos bispos
e padres no mundo todo recusaram dar ao Vaticano II sua plena adesão. Foram
terrivelmente perseguidos.
Mas o "entrevistador" aproveita a deixa para armar uma nova
mentira:
- Uma das pilastras do Vaticano II, sem dúvida, é a “Sacrosanctum Concilium”, a constituição sobre a liturgia.
Cottier: É um dos mais belos textos do Concílio. Mas não se deve identificá-lo com todas as maneiras como se pôs em prática a reforma litúrgica. Não podemos esquecer que, nos primeiros anos, em alguns países principalmente, houve muita desordem. Tomemos por exemplo o gregoriano. Em certa fase havia sido rechaçado violentamente. E para substituí-lo pel quê? Às vezes por cantos que tinham pouco de religioso. Ou por uma liturgia barulhenta em que não havia espaço para o silêncio. Algumas pessoas sofreram com isso. E alguns fiéis se encontraram com Lefebvre provavelmente sem nem sequer ver bem o problema que surgia.
O que ele tenta passar é que a liturgia foi uma bandeira para atacar todo o Concílio. Grande crime contra textos tão belos. Ah! claro, houve excessos, aqui e ali, mas nada demais, coisinhas pequenas. Nosso teólogo, esquecido da história real, não diz que a destruição foi total. Que as imagens sagradas foram retiradas das igrejas, que a indecência tomou conta dos costumes, que o violão, a guitarra, a bateria entraram triunfantes, acabando com qualquer possibilidade de oração. Aliás, ele não diz também que a teologia moderna sobre a missa, calcada no culto protestante, e o próprio rito inventado com a ajuda de seis pastores protestantes tiram qualquer possibilidade de celebração silenciosa e interior. Tudo é social e comunitário. Ele não fala nada sobre a perda da fé na Presença Real de Nosso Senhor na Sagrada Hóstia, sobre a comunhão na mão, sobre as profanações escandalosas ao Santíssimo Sacramento. Ah! Sr. Cottier, como é belo o texto desse documento que autorizou a destruição da missa católica! Como soa bem aos seus ouvidos já destituídos de qualquer timbre de fé!
- Certo. Mas ao estender o uso do rito de Pio V não se corre o risco de aumentar a confusão?
Padre Cottier: Sempre se admitiram as diferenças. Eu sou dominicano: até o concílio tínhamos uma liturgia dominicana que era uma variante do rito romano. Mas a unidade não estava comprometida com isso. Pode-se muito bem aceitar a “Sacrosanctum Concilium” mesmo mantendo uma especificidade própria. Lembremos que o próprio Concílio não pensava em toda celebração ser em língua vernácula: o cânon devia permanecer em latim. A reforma litúrgica deu um passo mais. E, olhando-se para a maioria dos católicos, foi uma opção adequada. Mas isso não significa que o desejo de reencontrar na tradição um sentido mais profundo do interior, do silêncio, da beleza seja, em si, inadmissível.
Aqui o esperto dominicano faz uma ginástica no tempo e na língua! Toma um exemplo de antes do Concílio: a existência da missa dominicana juntamente com a missa de S. Pio V. Esquece-se de dizer que essa variedade é uma marca registrada da prudência de S. Pio V, Papa santo de sua Ordem. De fato, a Bula Quo Primum, de 1570, estabelecia que todos os ritos com mais de 200 anos podiam continuar a ser usados. Esquece-se de dizer que esta prudência não se encontrou em Paulo VI, que impôs sem piedade a sua missa nova, sem dar ouvidos a milhares e milhares de fiéis que preferiam continuar usando um missal de 1.500 anos de uso! E assim o teólogo do papa pula novamente os 30 anos de perseguição, para dizer que também no Concílio Vaticano II pôde haver esta variedade. Mas que teólogo é esse que não compreende que não pode haver unidade entre a missa tradicional e a missa de Paulo VI, que o espírito é diferente, que os princípios teológicos de uma missa não são os mesmos da outra?
Ah! aqui é que está a coisa. Na verdade, ele sabe disso. E o parágrafo seguinte vai explicitar isso. Se as duas missas tivessem o mesmo espírito, se as duas missas fossem católicas, não haveria razão de o Vaticano impor aos padres do acordo que eles celebrassem ao menos de vez em quando a nova missa. Mas, se, ao contrário, tanto a Fraternidade S. Pedro, e o Barroux, e Dom Augustin, e de Blignières e todos os outros foram obrigados a aceitar também a missa nova, é porque não existe a tal unidade na diversidade. É uma farsa!
Eis que os padres de Campos vão entrar nessa mesma dança. A "Dança das Missas". É o que afirma o teólogo da nova Igreja do Vaticano II:
- Como conciliar esta especificidade com uma comunhão efetiva com toda a Igreja?
Padre Cottier: Muitos lefebvrianos mantém que “nossa” missa de Paulo VI não é válida. Agora, ao menos este grupo já não poderá pensar assim. Pouco a pouco, devem-se esperar outros passos: por exemplo, que participem também em concelebrações no rito reformado. Mas não temos pressa. O importante é que em seu coração não haja recusa. A comunhão reencontrada na Igreja tem um dinamismo próprio interno que amadurecerá.
Mas não devemos achar que as espertezas do Vaticano se resumem nisso. Eles estão preparando o próximo ato. Ainda não está pronto, as cortinas ainda estão fechadas. Mas, quando se abrirem, haverá aplausos e risos, e todos estarão na alegria. Enjaulados e felizes.