Sobre Campos
Boletim DICI nº 44 — Fraternidade São Pio X
2 de março de 2002
Texto do Superior Geral da Fraternidade São Pio X
A união desses dois acontecimentos realizados em datas tão próximas, o reconhecimento de Campos por Roma (que alguns pensam ser um reconhecimento da Tradição) e a Reunião de Assis (que é o extremo oposto da Tradição), apresenta tal contradição, que nos obriga a um olhar mais aprofundado; a demolição sistemática de tudo que é tradicional na Igreja desde o Concílio Vaticano II impõe uma coerência lógica nesta obra realizada. Em vez de saudar o reconhecimento de Campos como um retorno de Roma à Tradição, somos obrigados a nos perguntar se este acontecimento não pode ser, não deva ser também inserido dentro da lógica pós-conciliar: é justamente a reunião de Assis que fornece um argumento de prova em favor desta tese. Se a Roma pós-conciliar é capaz de reunir tantas religiões, pode-se mesmo dizer todas as religiões, por uma causa comum religiosa, como não poderia ela também encontrar um lugarzinho para a Tradição?
Deve-se ver nisso um dilema para Roma? Resolver o "cisma da Tradição" aceitando-o, quando esta última se tem mostrado até aqui exclusivista e condenatória (e assim aceitar que ela tem razão contra a Roma modernista) ou continuar na linha das reformas? Com toda a certeza a linha das reformas foi mantida como princípio intangível e irreversível. Assim, a condição que Roma deve pôr para aceitar um movimento tradicional é um acordo de princípio sobre o Concílio (pode-se discutir detalhes e algumas decisões). É o passo obrigatório. O que é imposto é a entrada no pluralismo sob aparências de reconhecimento por parte de Roma, e não um retorno da Igreja conciliar à Tradição. O Cardeal Castrillón critica este meu argumento. Não seria em nome do pluralismo que Roma deseja nosso retorno, não seria numa situação pluralista que eles querem nos colocar. No entanto...
A condição para realizar este novo prodígio foi expressa pelo Cardeal Castrillón, ator do acordo campista, antes mesmo do início das discussões; primeiro num artigo na revista 30 Dias, no outono de 2000, em seguida na revista La Nef, e finalmente em Campos, numa entrevista coletiva, em 19 de janeiro de 2002. Aliás, o teólogo da Casa Pontifícia, o Pe. Cottier, não usou outro argumento: a aceitação do Concílio é manifestamente o ponto alto e determinante (vem depois a aceitação da Nova Missa). É o princípio de onde partiu a Revolução dentro da Igreja, e, de fato, todo o resto é conseqüência. Diante desse fato, parece-me que nos encontramos diante de mais uma ambigüidade da igreja pós-conciliar: quando dizemos aceitar o Concílio com restrições (recusar o que é contrário ao ensinamento perene, interpretar o ambíguo à luz da Tradição, aceitar o que sempre foi ensinado), parece claro que dizemos algo completamente diverso do que pensam os de Roma. Basicamente, consideramos este Concílio como a grande catástrofe do século XX, a causa dos incalculáveis prejuízos feitos à Igreja e às almas, enquanto eles vêem nele o grande milagre do século XX, a fonte de juventude da Igreja.
O resto virá em conseqüência: o Pe. Cottier anuncia o próximo passo que "se" espera de Campos: a concelebração da nova missa, claro. E Mgr. Perl diz que isso se fará piano, piano, pouco a pouco. Piano, piano, os padres e os fiéis de Campos serão reintegrados na diocese e na Igreja pós-conciliar. Mas ele acha que isso acontecerá rapidamente. Não podemos atribuir esses pensamentos a Mgr. Perl apenas como vingança por ter sido afastado das negociações; é o pensamento comum da Roma conciliar.
Campos não quer nem saber. Rapidamente a realidade se fará sentir. O mais provável é que seja demasiado tarde. Campos ainda acha que, da parte de Roma, se trata do reconhecimento da Tradição, quando acaba de realizar-se o contrário. Uma parte da Tradição, um movimento tradicional, aceitou, ainda que com certas reservas, a realidade pós-conciliar. Roma considera o passo dado suficiente. Aliás, devemos assinalar que, pela primeira vez, um Concílio não-dogmático foi posto como critério determinante de catolicidade.
Aguardemos a publicação
dos estatutos definitivos da Administração apostólica, que ainda não foram
comunicados aos interessados. Lido na véspera do dia 18 de janeiro aos padres
de Campos, o texto retornou a Roma para ser melhorado. Faltava uma palavra,
apenas a missa e o breviário tradicional estavam previstos, faltavam os
sacramentos.
Quanto à nomeação do bispo da Administração, é regida pelo direito comum.
Para a nomeação dos bispos diocesanos, o Vaticano não é obrigado a escolher
um padre da diocese. Para uma administração que conta com 25 padres,
compreende-se facilmente que Roma não queira obrigar-se a tal limitação. Se o
sucessor imediato de Dom Licínio Rangel for ainda escolhido entre os membros da
União Sacerdotal São João Maria Vianney, o que não é certo, será apenas
por um ato de "misericórdia" especial e diplomática. Deve-se notar
também que os limites territoriais desta Administração apostólica pessoal são
muito restritos: a diocese de Campos. Assim a reintegração na diocese, coisa já
anunciada por Mgr. Perl, não será difícil.
Confessamos não
compreender como, na situação em que vivemos, Campos se tenha lançado tão
levianamente nesta aventura sem tomar ou pedir nenhuma medida de proteção.
Podem-se elogiar as vantagens obtidas pela nova estrutura canônica, o direito
à Missa Tridentina, por exemplo, e a um bispo tradicional também, mas o fato
de que, no papel, nada de substancial tenha sido concedido? A fragilidade da
Administração, por um lado, e a estabilidade da linha reformadora do Vaticano,
por outro lado, são argumentos suficientes para prever a queda de Campos apesar
de todas as declarações das suas melhores intenções. Além disso, deve-se
distinguir bem entre uma falta contra a própria virtude de fé e uma falta na
confissão pública da fé, que é necessária em certas circunstâncias, como
bem lembrou Mgr. de Castro Mayer no dia das sagrações. Ora, uma prevaricação
como a de Assis reclama esta confissão pública... que nós não ouvimos vinda
de Campos.
A situação só voltaria a ter interesse particular para nós se, subitamente, Campos retomasse a resistência e chegasse a enfrentar a Roma modernista.
+ Bernard Fellay