CARTA
DO CARDEAL RATZINGER A Mgr. LEFEBVRE
Citta
del Vaticano, 28.7.1987
Excelência,
Agradeço sinceramente a vossa carta de 8 de julho, assim como a vossa
recente obra com uma dedicatória; não deixarei de a ler com interesse. O
dossier que me enviastes sobre a resposta da Congregação às “dubias”
sobre a liberdade religiosa será estudado com toda a atenção necessária e o
resultado ser-vos-á comunicado oportunamente.
O vosso grande desejo de salvarguardar a tradição, dando-lhe “os
meios para viver e se desenvolver” testemunha o vosso apego à fé de sempre,
mas só pode realizar-se na comunhão com o Vigário de Cristo, a quem estão
confiados o depósito dessa fé e o governo da Igreja.
[nota
de D. Lourenço: Mgr. Lefebvre nunca pregou a desunião ao Vigário de Cristo.
cf. Carta aos novos bispos, acima. Ele apenas combateu os erros doutrinários
que contrariam esse Depósito da Fé]
O Santo Padre compreende a vossa preocupação e partilha-a. Por isso, em
seu nome, transmito-vos uma nova proposta, desejando dar-vos assim uma última
possibilidade de acordo sobre os problemas que vos afligem: a situação canônica
da Fraternidade S. Pio X e o futuro dos vossos seminários. Eis o seu conteúdo:
1.
A Santa Sé não pode conceder auxiliares à Fraternidade S. Pio X sem
que ela seja dotada de uma estrutura jurídica adequada, e sem que as relações
com essa mesma Sé Apostólica estejam previamente resolvidas.
2.
A Santa Sé está disposta a nomear sem demora e sem condição prévia
um Cardeal-Visitador, com vista a encontrar para a Fraternidade uma forma jurídica
conforme às normas do Direito Canônico atualmente em vigor.
3.
Em virtude da instituição divina da Igreja, tal situação jurídica
implica necessariamente reverência e obediência, por parte dos superiores e
membros da Fraternidade, em relação ao Sucessor de Pedro, o Vigário de Cristo
(cf. as normas indicadas em “Lumen Gentium”, 25). Dentro dos limites dessa
obediência e no quadro das normas canônicas, a Santa Sé está disposta a
conceder à Fraternidade a sua justa autonomia e a garantir-lhe:
a)
a continuidade da liturgia segundo os livros litúrgicos em vigor na
Igreja em 1962;
b)
o direito de formar seminaristas nos seus seminários, segundo o carisma
particular da Fraternidade;
c)
a ordenação sacerdotal dos candidatos ao sacerdócio, cuja
responsabilidade, até nova decisão, assumirá o Cardeal-Visitador.
4.
Enquanto se espera a aprovação da estrutura jurídica definitiva da
Fraternidade, o Cardeal-Visitador será o garante da ortodoxia do ensino nos
vossos seminários, do espírito eclesial e da unidade com a Santa Sé. Durante
esse período, o Cardeal-Visitador decidirá igualmente sobre a admissão dos
seminaristas ao sacerdócio, tendo em conta o parecer dos Superiores
competentes;
5.
A estrutura jurídica a encontrar precisará, entre outras, as
modalidades de uma relação positiva e conveniente da Fraternidade com as
diferentes dioceses, segundo as normas previstas no Direito para casos análogos.
Peço-vos,
Excelência, que considereis atentamente esta proposta, para que possa ser
encontrada solução positiva, eqüitativa, que assegure a continuidade da vossa
obra na submissão à autoridade da Igreja.
Se,
apesar dos reiterados esforços da Santa Sé com vista a uma conciliação,
persistirdes no vosso projeto de vos dotardes de um ou vários auxiliares sem o
acordo do Papa e contra ele, ficará claro para todos que a “ruptura
definitiva” de que fazeis menção na vossa carta, não poderá ser, de forma
alguma, atribuída à Igreja e que ela dependerá exclusivamente da vossa
iniciativa pessoal.
[nota
de D. Lourenço: esse parágrafo merece um reparo: os "reiterados esforços
da Santa Sé" sempre se resumiram em obrigar a todos os padres e bispos a
celebrar a Nova Missa. Ainda hoje, muitos bispos aqui no Brasil agem dessa
forma; só sabem repetir: "obedeçam, obedeçam! sem querer analisar o mérito
da questão]
De Instituição divina, a Igreja tem a promessa da assistência de
Cristo até o fim dos tempos. A ruptura da sua unidade, por um ato de grave
desobediência da vossa parte causar-lhe-ia danos incalculáveis e destruiria o
futuro de vossa própria obra, pois que, fora da união com Pedro, não haveria
futuro, mas tão só a ruína de tudo o que haveis desejado e empreendido. A
história foi muitas vezes testemunha da inutilidade de uma apostolado realizado
fora da submissão à Igreja e ao seu Chefe.
Dando uma interpretação pessoal aos textos do Magistério, daríeis
paradoxalmente prova desse liberalismo que tão fortemente combateis e agiríeis
contra o fim que tendes em vista. Foi, com efeito, a Pedro que o Senhor confiou
o governo da sua Igreja; é, pois, o Papa o principal obreiro da sua unidade.
Sustentado pelas promessas de Cristo, ele nunca poderá por em oposição na
Igreja o seu Magistério autêntico e a Santa Tradição.
[nota
de D. Lourenço: o Papa pode recusar a assistência do Divino Espírito Santo e
afastar-se da Tradição. E assim o fez: basta ler algumas de suas encíclicas e
as encíclicas dos seus antecessores. Por exemplo, comparem Mortalium Animae, de
Pio XI, contra o Ecumenismo, e Ut Unum Sint, de João Paulo II, a
favor do Ecumenismo. São uma o oposto da outra, qualquer que seja a
interpretação pessoal que se tenha.]
Excelência, talvez acheis severas as minhas afirmações. Eu teria
gostado, decerto, de me exprimir de outra maneira, mas a gravidade do problema
em causa não me deixava escolha. De resto, tenho a certeza que reconhecereis a
generosidade da proposta que vos é feita em nome do Santo Padre e que constitui
o meio real de salvaguardar a vossa obra, na unidade e na catolicidade da
Igreja.
No início deste Ano Mariano, é à Virgem “Mater Ecclesiae” que
confio a resolução deste longo diferendo que nos opõe, certo que a sua
poderosa intercessão obterá as graças e as luzes necessárias para esse
efeito.
Assegurando-os de minha oração, aceitai, Excelência, etc.
Joseph
Card. Ratzinger