A Sacrílega Comunhão na Mão
Francisco Lafayette de Moraes
Este trabalho do Sr. Lafayette é um dos capítulos de uma grande compilação sobre a Santa Missa, onde o autor recolhe de vasta bibliografia e organiza com inteligência, muitas explicações sobre a Missa Nova, seus erros, a comparação com a Missa de São Pio V etc. Nesta obra inédita são dadas exaustivas referências a todas as obras citadas. Essas notas foram aqui retiradas para não tornar a leitura desagradável.
Vejamos,
então, o que realmente aconteceu, ou seja, qual era a doutrina dos Santos
Padres dos primeiros tempos e quais eram os casos de exceção; passemos aos
fatos históricos.
São Paulo chama os padres de
"ministros do Cristo e dispensadores
dos mistérios de Deus" (1Cor.4,1 e 2) e, portanto, cabe a eles a
manipulação do Corpo de Deus e a distribuição dos dons consagrados.
Abusos devem ter ocorrido, pois,
São Sixto I - Papa de 117 a 126 - julgou necessário lembrar e publicar a norma
apostólica, reafirmando que somente os ministros do culto (os padres e seus
ajudantes, os diáconos) são aptos a tocar (tangere) os santos mistérios:
"hic constituit ut mysteria sacra non tangeretur, nisi a ministris".
São Justino (100-166), por sua
vez, na sua Apologia dedicada ao Imperador romano, testemunha esta disciplina
primitiva afirmando que são "os diáconos que distribuem a comunhão e
levam aos doentes".
E o sábio Tertuliano de Cartago
(160-250) diz, também, que o Sacramento da Eucaristia era recebido "somente
da mão do padre": "nec de aliorum manu sumimus".
Como os casos em que estava
autorizada a manipulação da Santa Eucaristia pelos leigos (ver VII – “As
exceções”) continuassem a gerar abusos, Santo Estevão - Papa de 254 a 257 -
teve que advertir os leigos, dizendo-lhes que eles não deviam "considerar
como suas as funções eclesiásticas"; e, quanto ao clero, Santo
Eutiquiano - Papa de 275 a 283 - exortou os padres a manterem a disciplina
cumprindo seus deveres, especialmente levando eles mesmos a Comunhão aos
doentes: "nullus praesumat tradere Communionem laico vel feminae ad
deferendum infirmo" (que ninguém ouse confiar a um leigo ou a uma mulher o
cuidado de levar a Comunhão a um doente).
Assim, pelos textos citados,
vemos que mesmo em tempo de perseguição, ou seja, mesmo antes da "paz da
Igreja", o que ocorreria pouco depois do ano 313, ano do Edito de Milão, não
era um costume generalizado os leigos manipularem a Eucaristia para distribuí-la
ou consumi-la. Não seriam necessárias todas as advertências dos Santos
Padres, acima citadas, sobre quem devia manipular o Corpo de Deus, se os fiéis
pudessem tocar habitualmente no Santíssimo Sacramento. Se eles pudessem tocá-lO,
poderiam também servir a si mesmos e também (poderiam) distribuir a Comunhão
à outras pessoas (o que hoje fazem errada, pois habitualmente, os ministros
extraordinários da Eucaristia). Porém, o que de fato se verifica é que, pelo
menos desde o Papa São Sixto I, somente aos padres e aos diáconos é permitido
manipular e distribuir a Eucaristia e, mais ainda, o diácono devia receber o
Santíssimo Sacramento das mãos do padre. Os leigos só podiam tocar na Hóstia
consagrada excepcionalmente.
VII - As exceções
É verdade que casos havia em
que era permitido aos leigos manipular e distribuir a Comunhão. Os leigos
podiam fazê-lo nos chamados casos de necessidade, ou seja, quando não havia
sacerdote para se ocupar daqueles deveres; fora dessas circunstâncias, nem os
leigos, nem os padres menores, devem ser considerados como ministros da
Eucaristia. Eles somente serão chamados a título de ministros extraordinários
em casos excepcionais.
Portanto, é verdade que - em
tempo de perseguição e, portanto, tempo de exceção - os fiéis leigos foram
autorizados a levar para casa o Santo Sacramento, para consumi-lo durante as
semanas seguintes ou levá-lo aos doentes, mas era, conforme o caso, ou por
causa da ameaça sempre eminente de perseguição ou da distância ou da falta
de padres e de diáconos. São Basílio de Cesaréa (329-379), em sua Carta 93,
datando aproximadamente de 372, declara que por esses motivos poder-se-ia
"receber a Comunhão por meio de sua própria mão". Temos, assim,
mais uma confirmação de que, normalmente,
o fiel não deve receber a Comunhão de sua própria mão. Podemos
concluir, também, que no caso de distribuição autorizada do Corpo de Deus a
outros (doentes, por exemplo), isto não significa que a comunhão fosse dada na
mão; estando o leigo que a ia receber proibido de tocar no dom consagrado, não
é lícito esperar que recebesse o Corpo do Senhor na mão; e se o fizesse não
seria em função de uma norma da Igreja, mas de um abuso. Para evitar dúvidas
e abusos, os Santos Padres passarão a dizer, explicitamente, que a Santa Comunhão
é recebida na boca (ver VIII - "Os tempos normais").
Desde que as circunstâncias
permitiram, o costume excepcional mencionado no parágrafo anterior foi-se
tornando desnecessário e é certo que esta
prática de exceção, como diz o "Dicionário de Arqueologia Cristã
e de Liturgia", de Dom H. Leclerq, "caiu em desuso pouco tempo depois da paz da Igreja".
Todavia, o hábito arraigado em
alguns leigos fazia com que esses praticassem abusos já em tempos normais, por
continuarem levando o pão consagrado para suas casas. Além disso, com a paz e
liberdade concedidas à Igreja, as conversões para o Cristianismo se efetuavam
em grande escala e de maneira por vezes brusca; conseqüentemente os novos cristãos
ainda guardavam consigo traços de sua antiga mentalidade pagã, muito dada à
superstição e ao uso de amuletos. Documentos atestam que a partícula sagrada
era não raro pendurada ao pescoço dos fiéis, aos leitos, às paredes das
casas, aos cofres, como se fora um amuleto, um feitiço dotado de poderes quase
mágicos ou um instrumento poderoso contra doenças, desgraças, inimigos, etc.
Então, medidas enérgicas foram
tomadas para restabelecer as regras apostólicas.
Para tanto, São Dâmaso I -
Papa de 366 a 384 - proibiu aos fiéis terem o Alimento divino em suas residências:
"oblationes... sub dominium
laicorum deteneri vetat".
No ano 380, o Concílio Regional
de Saragoça lança anátemas contra
aqueles que insistissem em continuar a tratar o Santo Sacramento da mesma
maneira que em tempos de perseguição, e o Concílio Regional de Toledo, no ano
400, insiste na mesma determinação: "Se alguém não consumir realmente a Eucaristia recebida do sacerdote,
seja expulso como um sacrílego" (canon 14).
Verifica-se, portanto, que
naquele tempo já era claramente distinguida a regra normal, daquilo que tinha
sido, por muito tempo, exceção na Igreja.
Além disso, sendo as sanções
acima citadas, pelas quais a Igreja protegeu o cumprimento das normas litúrgicas
transmitidas pelos Apóstolos, de âmbito específico (regional), pode-se
concluir também que esses abusos eram desvios não generalizados.
VIII - Os tempos normais
A paz externa, a expansão da
Igreja por todo o Império Romano e o aumento das vocações sacerdotais fizeram
com que a manipulação do Santíssimo Sacramento pelos leigos não tivesse mais
justificativa.
A) A norma expressa sobre a
Comunhão na boca
Se os primeiros Santos Padres se
preocuparam em afirmar que cabia aos ministros do culto distribuir a comunhão,
a fim de evitar que o Pão da Vida fosse manuseado por qualquer um como um pão
comum, agora, no século IV e seguintes, em tempos de normalidade, vamos
encontrar os Santos Padres citando explicitamente o costume tradicional de
comungar; já haviam desaparecido os motivos que justificavam a manipulação do
Corpo do Senhor pelos leigos e, por outro lado, era preciso firmar doutrina para
combater os abusos que ainda ocorriam, bem como, também, (combater) a prática
herética dos arianos5 de receber a comunhão na mão.
Assim, São Leão I - Papa de
440 a 461 - diz, explicitamente, que o Sacramento da Eucaristia recebe-se na
boca: "hoc enim ore sumitur quod
fide tenetur" (os/oris=boca).
Em 536, o Papa Agapito I, tendo
se dirigido a Constantinopla, realiza uma cura milagrosa de um surdo mudo,
durante a Comunhão, no momento em que lhe punha na boca o Corpo do Senhor:
"cunque ei Dominicum corpus mitteret
in os", conforme assinalado por São Gregório Magno - Papa de 590 a
604 - e sabemos que o próprio São Gregório I, também, dava a Comunhão na
boca aos comungantes, como atesta o seu biógrafo Jean Diacre.
Os únicos que sempre comungaram
de pé e com a mão foram, desde o
princípio, os arianos, que negavam, obstinadamente, a divindade de Nosso Senhor
Jesus Cristo e que, por isso mesmo, não viam na Eucaristia senão um símbolo
de união que podia ser manipulado à vontade.
Por volta de 650, sob o império
de Clóvis II, o Concílio de Rouen estabeleceu, também, regras sobre a
distribuição do Sacramento da Comunhão, indicando com muita precisão a
atitude conveniente dos fiéis, isto é, a recepção da hóstia unicamente na boca — "Nulli
autem laico aut feminae Eucharistiam in manibus ponat, sed tantum in os
ejus" (cf. Acta Conciliorum Rothomagense, cap. II, pág. 8).
Apesar do cisma do Oriente já
estar se anunciando, entre outras coisas por desvios na Liturgia, o Concílio de
Constantinopla (692) proibiu, também, aos fiéis leigos se darem a si próprios
a comunhão e ameaça de excomunhão
por uma semana aqueles que se atreverem a distribuí-la quando houver um bispo,
padre ou diácono na região.
Em 878, mais outro Concílio de
Rouen (canon II) volta a lembrar a regra tradicional, o que mostra o aspecto
realmente esporádico do abuso da
prática de comungar com a mão.
Vê-se bem, face ao exposto, que
a Igreja não mudava sua regra original, mas a consolidava, desejando o
desaparecimento completo dos abusos, porque sempre foi costume, na Igreja de Deus, os leigos receberem dos padres a Comunhão.
São Tomás de Aquino, o Doutor
Comum da Igreja Católica (1225-1274), ensina as razões teológicas que embasam
esse costume:
"A distribuição do Corpo
de Cristo cabe ao padre por três motivos. Primeiro, porque... é ele que
consagra assumindo o lugar de Cristo.
Ora, o próprio Cristo distribuiu o seu Corpo durante a Ceia. Portanto, assim
(como) a consagração do Corpo de Cristo cabe
ao padre, é também a ele que cabe a sua distribuição. Segundo, porque
o padre foi instituído intermediário
entre Deus e os homens. Por conseguinte, como tal, é ele que deve encaminhar a
Deus as oferendas dos fiéis e também levar aos fiéis as dádivas santificadas
por Deus. Terceiro, porque, por respeito
por este Sacramento, ele não é tocado por nada que não seja consagrado. Por
causa disto, o corporal e o cálice são consagrados e igualmente as
mãos do padre o são, para tocar este Sacramento.
Assim, nenhuma pessoa tem o direito de o
tocar, a não ser em casos de necessidade como, por exemplo, se o Sacramento
cair no chão, ou casos semelhantes" (Summa, III pars, Qu. 82, art 3).
Em 1551, o Concílio Ecumênico6
de Trento, também, repetiu o ensinamento tradicional da Igreja por causa dos
desvios dos protestantes:
"Na comunhão sacramental sempre foi costume na Igreja de Deus
receberem os leigos a comunhão das mãos do sacerdote... . Com razão e justiça
se deve conservar este costume como proveniente da Tradição apostólica"
(Sessão XIII, de 11-10-1551 – Decreto sobre a Santíssima
Eucaristia – capítulo 8).
O Concílio Vaticano II, porém,
nada decidiu e decretou sobre a
maneira de comungar: se de pé ou de
joelhos, se na mão ou se deve o Corpo do Senhor ser depositado pelo padre na língua
do comungante.
Foi a Sagrada Congregação dos
Ritos que se manifestou sobre o assunto em questão pela Instrução "Memoriale
Dómini", redigida "por mandato especial de Paulo VI e por ele mesmo
aprovada em razão de sua autoridade apostólica", a 28 de maio de 1969.
Esta Instrução, que traz as assinaturas do Cardeal Gut e do Monsenhor A.
Bugnini, Prefeito e Secretário daquela Congregação, foi suscitada por
solicitações dirigidas à Santa Sé por umas poucas Conferências Episcopais (que
já faziam uso da Comunhão na mão, como é dito na própria Instrução,
sem qualquer licença para isso). E, em função dessas poucas solicitações, a
norma apostólica sobre a comunhão: (I) que deve ser dada pelos ministros do
culto, (II) que não deve ser tocada por mãos não consagradas, e (III) que
deve por isso mesmo ser recebida na boca, será alterada em 1969.
B) A cronologia das mudanças
Antes de entrar no mérito do
conteúdo da "Memoriale Dómini" julgo ser interessante apresentar a
cronologia das alterações relativas à Missa e do modo de receber a Comunhão:
[03-04-69] Paulo VI aprova a
Constituição "Missale Romanum", reformando o rito da Missa (ainda
sem missal).
[06-04-69] A Sagrada Congregação
de Ritos promulga o novo Ordo Missae, com sua "Institutio Generalis",
que deveria entrar em vigor a 30-11-69.
[28-05-69] Paulo VI aprova a
Instrução "Memoriale Dómini", permitindo a comunhão na mão.
[19-06-69] A Congregação para
o Culto Divino por carta dirigida ao Presidente da Conferência Episcopal da
França autoriza a comunhão na mão,
ainda que contrariando a recente "Institutio Generalis" - a
"Instrução Geral" do novo Missal - cujo artigo 80 diz que a patena
é um dos objetos que se deve preparar para a celebração da Missa e cujo
artigo 117 descreve a maneira como se deve efetuar a comunhão: ... O fiel
responde: Amém e sustentando a patena debaixo do seu rosto recebe o sacramento7.
[23-09-69] Data constante do
Livreto "Liturgia da Missa" com a "Tradução Oficial para o
Brasil" da Nova Missa, aprovada pela CNBB e pela Sagrada Congregação do
Culto Divino.
[20-10-69] Data da Instrução
da Congregação para o Culto Divino: "De constitutione missale romanum
gradatim ad effectum decudenda" (Instrução sobre a Aplicação
Progressiva da Constituição Apostólica "Missale Romanum"), ficando
a introdução do Novus Ordo Missae diferida para 28-11-71.
As regras da Nova Missa a
respeito do modo de comungar, constantes da Instrução Geral da Constituição
"Missale Romanum", estavam, portanto, superadas antes mesmo de terem
entrado em vigor e, na prática, uma Instrução vai alterar não só essa
Constituição, como, também, indiretamente, aquela que tinha sido aprovada
pelo Vaticano II, ou seja, a "Sacrosanctum Concilium" sobre a Sagrada
Liturgia. Vejamos, então, a Instrução "Memoriale Dómini".
IX - A "Memoriale Dómini"
Na Instrução "Memoriale Dómini",
em sua introdução sobre o valor e o histórico do Sacramento Eucarístico, está
dito que, em tempos muitos remotos, nas pequenas comunidades primitivas, a
distribuição do Pão da Vida era feita nas mãos dos fiéis.
Contudo, apesar deste início -
com o qual não concordo, como se vê pelo exposto acima - é importante
transcrever longamente a "Memoriale Dómini", pois este documento
mostra e reconhece aquilo que estamos querendo demonstrar, como se vê pelas
partes reproduzidas abaixo.
(Nota - Todas as transcrições
da Instrução "Memoriale Dómini" que se seguem foram tiradas de
artigos de Gustavo Corção, publicados em sua coluna no jornal "O
Globo" dos dias 19, 21 e 26 de junho de 1975. Os destaques são, no
entanto, todos do autor deste ensaio).
1) Os grandes cuidados que a
Santa Igreja sempre teve com relação à Santa Eucaristia.
"As prescrições da Igreja
e os textos dos Santos Padres atestam abundantemente o profundíssimo respeito e
as grandes precauções que cercavam a Santa Eucaristia. Assim, "que ninguém
(...) coma esta Carne se antes a não adorou"; e a quem a come se dirige
esta advertência: "...recebe com cuidado de nada perder. É em verdade o
Corpo de Cristo".
2) Que sempre foi assegurado o
respeito que é devido ao Corpo do Senhor.
"Assim, a função de levar
a Santa Eucaristia aos ausentes não tardou a ser exclusivamente confiada aos
ministros sagrados, a fim de melhor assegurar o respeito devido ao Corpo de
Cristo e também de melhor atender às necessidades dos fiéis".
3) Que o aprofundamento da
verdade do mistério eucarístico arraigou o costume de dar a comunhão na língua
do comungante.
"Com o tempo, quando a
verdade e a eficácia do mistério eucarístico, assim como a presença real do
Cristo foram mais aprofundadas, tornou-se mais consciente o respeito devido a
esse Santíssimo Sacramento e a humildade com a qual deve ser recebido,
estabelecendo-se então o costume pelo qual deveria o próprio ministro colocar
a partícula consagrada na língua do comungante".
4) Que a "comunhão na boca" deve ser mantida.
"Levando em conta a situação
atual da Igreja no mundo inteiro, esta
maneira de distribuir a santa comunhão deve ser conservada, não somente em razão
de sua multissecular tradição, mas principalmente porque exprime o respeito
dos fiéis em relação à Eucaristia. Este uso, aliás, em nada fere a
dignidade pessoal de quem recebe tão alto sacramento, ao contrário favorece a
preparação exigida para que o Corpo de Deus seja recebido de maneira
frutuosa".
Mas, então, por que um grande número de sacerdotes se nega a dar a
comunhão da maneira que, como diz a própria “Memoriale Dómini”, dá mais
frutos? Por que querem tornar obrigatória a "comunhão na mão"?
Continuamos, abaixo, com a "Memoriale Dómini".
5) Que a "comunhão na boca" é a maneira tradicional de
comungar, que assegura o respeito, o decoro e a dignidade que devem cercar o
Corpo do Senhor.
"Esse respeito bem exprime que não se trata de «um pão e uma
bebida comuns», mas do Corpo e do Sangue do Senhor, pelo qual o povo de Deus
participa dos bens do sacrifício pessoal, re-atualiza a Nova Aliança uma vez
por todas selada por Deus com os homens no Sangue de Cristo e na fé e esperança
prefigura e antecipa o banquete escatológico no Reino do Pai".
"Além disso, essa maneira de fazer, que já deve ser considerada
como tradicional, assegura mais eficazmente o respeito, o decoro e a dignidade
com que convém distribuir a Santa Comunhão,...".
6) Que a "comunhão na boca" evita as profanações.
"(com que convém
distribuir a Santa Comunhão), garante também o afastamento de qualquer perigo de profanação das espécies eucarísticas, nas
quais, ‘de um modo único o Cristo total e inteiro, Deus e homem, se acha
presente substancialmente e permanentemente’; e enfim, essa maneira de
ministrar o sacramento assegurava (este verbo no passado é uma antecipação do
que vem mais adiante8) a cuidadosa atenção relativa aos fragmentos
sagrados como a Igreja sempre recomendou: ‘considera o que deixaste cair como
parte de teus membros que assim te falarão’".
Este final não é um
reconhecimento de que a "comunhão na mão" não protege adequadamente
as partículas sagradas?
Além disso, como diz Gustavo
Corção, já vemos que a Santa Sé parece ter "a firme intenção de
reafirmar o desejo de cercar a Santa Eucaristia de todas as garantias e
respeitos assegurados pela tradição e não pode ver com simpatias as poucas
Conferências Episcopais (ver 7, a seguir) que solicitavam a adoção do rito da
‘comunhão na mão’". Era ainda de se esperar que a Santa Sé fosse
contra os abusos que estavam sendo cometidos, pois já estava sendo praticado um
rito antes de ter sido obtida a necessária permissão para fazê-lo.
Voltemos, porém, à "Memoriali
Dómini".
7) Que a "comunhão na mão" foi pedida por uns poucos e que
todos os bispos foram consultados, apesar dos perigos previsíveis, sobre
a alteração da verdadeira doutrina.
"Por isso9,
diante do pedido formulado por um pequeno
número de Conferências Episcopais e certos bispos a título individual
para que nos seus territórios fosse permitido o uso da comunhão
na mão, o Soberano Pontífice decidiu consultar todos
os bispos da Igreja latina sobre o que pensam da oportunidade de introduzir esse
rito. Com efeito, mudanças introduzidas em matéria tão grave, que se prende
à tradição tão antiga e venerável, não somente tocam a disciplina, mas
também podem acarretar perigos que, como todos tememos, nasceriam eventualmente
desse novo modo de distribuir a santa comunhão, isto é, um respeito menor pelo
augusto sacramento do altar, uma profanação desse sacramento ou ainda uma
alteração da verdadeira doutrina (sic)".
"Por que, então, pergunta
Gustavo Corção, diante de tão evidente desaconselhável alteração pedida
por um pequeno número de CNBB's e não justificada por nenhum motivo plausível,
a não ser o de contrariar e romper e contrariar a tradição? Não entendemos o
acatamento que pode merecer tão insólito pedido depois de tudo o que sabemos e
do que acabamos de ler. E quando lemos no próprio documento que os pouco
numerosos solicitantes já praticam sem licença aquilo para o que solicitam
permissão [ver 9, adiante], ainda menos entendemos o redobrado acatamento que
leva o Soberano Pontífice a consultar os bispos do mundo inteiro. Não terão
os redatores de tal Instrução da Congregação para o Culto Divino percebido
que a insistência de tão desproporcionada consulta viria diminuir a autoridade
da secular tradição, a autoridade do Concílio de Trento, do Vaticano I e do
Vaticano II, e finalmente a augusta autoridade do sucessor de Pedro - tudo isso
para atender a umas poucas agremiações de duvidosíssima catolicidade? Temos a
penosa impressão, conclui Corção, de que alguém em Roma tem a esperança de
obter um resultado contrário ao que este próprio documento insistentemente
ensina".
8) Que o resultado da consulta
universal mostrou que a grande maioria dos bispos foi contra a "comunhão na mão", como está dito na própria
"Memoriale Dómini".
"Essas respostas mostram, então, que uma forte maioria dos bispos
acham que nada deve ser mudado na disciplina atual; e que, tal mudança
ofenderia o sentimento e a delicadeza espiritual desses bispos e de numerosos fiéis."
"Assim sendo e levando em conta as observações e conselhos daqueles
que ‘o Espírito Santo constituiu administradores para governar’ as Igrejas
(Cf. At.20,28), em vista da gravidade do assunto e do valor dos argumentos
invocados, o Soberano Pontífice não pensou dever mudar a maneira tradicional
de distribuir a santa comunhão aos fiéis."
"Por isso a Santa Sé exorta vivamente os bispos, os padres e os fiéis
a respeitar atentamente a lei de sempre que permanece em vigor e que se acha
confirmada novamente levando em conta tanto o julgamento emitido pela maioria do
episcopado católico, quanto a forma utilizada atualmente na santa liturgia e
enfim o bem comum da Igreja."
9) Que, porém,
surpreendentemente, a Santa Sé — depois de ter concluído que o respeito ao
Santíssimo Sacramento e o bem comum da Igreja exigiam vigorosamente a manutenção
do rito tradicional depois do resultado da consulta formulada a todos os bispos
e apesar de ter Paulo VI dito que não pensava dever mudar a maneira tradicional
de distribuir a comunhão — a Santa Sé (repetimos) autorizou o uso da
"comunhão na mão" nos lugares onde tal prática já havia sido
introduzida.
"Mas nos lugares onde já
foi introduzido um costume diferente - o de depositar a santa comunhão na mão
- a Santa Sé, a fim de ajudar as Conferências Episcopais a desempenhar sua
tarefa pastoral, tornadas tantas vezes mais difícil nas atuais circunstâncias,
confia a essas mesmas Conferências o encargo e o dever de pesar com cuidado as
circunstâncias particulares que poderiam existir, sob a condição, no entanto,
de afastar qualquer risco de falta de respeito ou de opiniões falsas que
poderiam se insinuar nos espíritos em relação à Santíssima Eucaristia e
evitar cuidadosamente todos os outros inconvenientes."
.........
"A Santa Sé examinará
cada caso atentamente, levando em conta os vínculos existentes entre as
diferentes igrejas locais, assim como entre cada uma delas e a Igreja universal
a fim de promover o bem comum e a edificação comum para que o exemplo mútuo
aumente a fé e a piedade."
Desnecessário será, talvez,
dizer que, a partir daí (antes mesmo da entrada em vigor da Nova Missa), este
novo procedimento tornou-se universal, utilizado tanto pelas dioceses que já
usavam o rito da "comunhão na mão"
como também pelas que não o empregavam e, mais ainda, muitos celebrantes se
recusam a dar a comunhão segundo a maneira tradicional, tornando assim obrigatório
o novo costume, apesar do mesmo permitir a ocorrência de profanações e sacrilégios.
10) Que os bispos, inclusive os
que foram contra a "comunhão na mão", tomaram conhecimento da "Memoriale
Dómini" por intermédio das Conferências Episcopais.
"Esta instrução redigida
por mandato especial do Sumo Pontífice Paulo VI foi aprovada por ele mesmo
em virtude de sua autoridade apostólica em 28 de maio de 1969 e ele decidiu que
a mesma seja levada ao conhecimento dos bispos por intermédio dos presidentes
das Conferências Episcopais. Revogadas todas as disposições em contrário."
Assim sendo, em junho de 1969,
logo depois de aprovada a "Memorile Dómini", por carta dirigida ao
presidente da Conferência Episcopal da França, a Congregação para o Culto
Divino autorizava a "comunhão na mão",
naquele país, a discrição de cada bispo.
X - Conclusões
Monsenhor Bugnini10,
responsável pela reforma litúrgica e pela Nova Missa, estava implantando
rapidamente a "comunhão na mão".
Não diz a "Memoriale Dómini"
que "o próprio ministro deve colocar a partícula consagrada na língua do
comungante"? que "esta maneira de distribuir a santa comunhão deve
ser conservada"? que esta é "a lei de sempre que permanece em
vigor"?
Via de regra, não é isto o que
se vê.
A comunhão na boca é a maneira de distribuir a comunhão que deve
ser preservada, como reconheceu a própria "Memoriale Dómini", mas,
na prática, a comunhão é, hoje em dia, em quase toda parte e em quase todos
os casos, nas Missas ou fora delas, recebida de pé e na mão. Em 1961, o monge progressista Dom Adrien Nocent,
na obra em que defendia a implantação de uma nova liturgia, já pedia a adoção
desse rito. Paulo VI "não pensou dever mudar a maneira tradicional"
de distribuir a santa comunhão, porém, por mandato especial dele, o maçon
Monsenhor Bugnini o fez com a ajuda das Conferências Episcopais.
O uso da "comunhão
na mão", como diz Gustavo Corção, "hoje mais do que nunca
expõe o Santíssimo Sacramento da Eucaristia a inimagináveis profanações,
que aliás parecem ser o objetivo, muito logicamente, desejado pelas entidades
que querem destruir a Igreja e transformar o Cristianismo num Humanismo, que
depressa se tornará desumano e infra-humano”.
Existe, ainda, uma outra razão
que também contribuiu para que fosse mudada a maneira tradicional de distribuir
a santa comunhão: um desejado falso ecumenismo. Se a Eucaristia é um símbolo
materializando a simples lembrança de um acontecimento passado (como querem os
protestantes) é inteiramente lógico que haja pouca preocupação com as
migalhas que inclusive podem cair no chão (e serem pisadas). Mas se se trata da
presença do próprio Deus, de nosso Criador, como o quer a fé da Igreja, como
compreender que se admita uma tal prática e até que se a encoraje? A idéia
que se esforça por inculcar, assim, com tal procedimento, é uma idéia
protestante, contra a qual se rebelam os católicos ainda não contaminados.
Para melhor impô-la, os fiéis são obrigados a comungar
de pé.
Tanto faz se o que acarretou a mudança da maneira tradicional de comungar
foram as atividades maçônicas ou o desejo de implantar uma outra religião,
humanista ou protestante, porque o resultado desejado é o mesmo: a destruição
da Igreja Católica Tradicional. E é uma destruição realizada dentro da própria
Igreja, pois o que se verifica "é a existência de uma Outra Igreja que,
com grande parte do clero da Igreja Católica, quer destruí-la em nome da evolução",
como bem disse Gustavo Corção.
Os católicos passaram a comungar o Corpo do Senhor de pé e na mão e,
conseqüentemente, a devoção para com o Santíssimo Sacramento é afetada. Além
da falta de respeito, quando uma patena é utilizada, mesmo se as comunhões são
pouco numerosas, nela ficam sempre partículas (as "pérolas"). Por
conseguinte, estas partículas ficam agora nas mãos dos fiéis. E ninguém se
importa mais. O respeito ao Corpo do Senhor diminui, a fé se abala.
A "comunhão de pé e na mão" é uma manifestação pública de
falta de fé na presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia.
"O pão, que Eu darei, é a minha carne, para a vida do mundo" (Jo.6,51),
e, por causa da dureza desta linguagem, muitos discípulos, então, na Galiléia,
se afastaram de Jesus "e já não andavam mais com Ele" (Jo.6,66); já
não eram mais discípulos. Aqueles que, hoje, não reconhecem o Senhor na Hóstia
consagrada já estão, também, afastados de Jesus e já não são mais católicos.
NOTAS:
1) Frei Boaventura Kloppenburg - "Compêndio do
Vaticano II" - 1983 - Editora Vozes – Petrópolis – pag. 11 e 12.
2)
Essa Constituição diz que devem ser “salvarguardados os princípios dogmáticos
estabelecidos pelo Concílio de Trento”, mas a seguir especifica os casos em
que fica autorizada a “Comunhão sob as duas espécies” [Cap. II - O
Sacrossanto Mistério da Eucaristia, nº 612, página 612 da obra citada na nota
de rodapé nº 1]. Na prática, a abertura limitada da Constituição em pauta
abriu as portas para inúmeros abusos.
Os princípios do Concílio de Trento foram
estabelecidos na Sessão XXI, de 16-07-1562 – Doutrina da comunhão sob ambas
as espécies e das crianças - capítulos 1 a 4, cânones 1 a 3.
3) Sessão XIII, de 11-10-1551 – Decreto sobre a
Santíssima Eucaristia – capítulo 3, cânon 3.
4) Padre
Pierre le Brun - "Explication de la Messe" – 1716 e re-editado em
1949 por Les Editons du CERF – Paris - página 421.
5) Discípulos de Ário. A heresia desse clérigo da
Igreja teve início no século IV e é conhecida como “Arianismo”
6) Ecumênico está aqui empregado no sentido
tradicional de “universalidade” ou de “catolicidade”, o qual era o único
sentido existente na Igreja para “ecumenismo” (até o Vaticano II).
7)
Louis Salleron - "La Nueva Misa" - 1978 - Editorial Iction – páginas
150, 151 e 156.
8) Esta observação entre parênteses é do autor
deste ensaio.
9) Em lugar desse “Por isso”, caberia melhor um
“Porém”, pois nada do que foi dito antes justifica o que se segue.
10) Monsenhor Annibal Bugnini foi destituído de sua
função de Secretário da Congregação do Culto Divino, em 1976, quando se
tornou evidente que era membro da franco maçonaria, mas, quando ele foi enfim
afastado, o mal já estava consumado.