PASCENDI DOMINICI GREGIS (cont.)
O
modernista apologeta
Entre os modernistas também este depende duplamente do filósofo. Primeiro indiretamente,
tomando para matéria a história escrita sob a direção do filósofo,
como vimos; depois diretamente,
aceitando do filósofo os princípios e os juízos. Vem daqui o preceito comum
da escola modernista, que a nova apologética deve dirimir as controvérsias
religiosas por meio de indagações históricas e psicológicas. Por isso, esses
apologetas começam o seu trabalho advertindo os racionalistas de que não
defendem a religião com os livros sacros, nem com as histórias vulgarmente
usadas na Igreja e escritas à moda antiga; fazem-no, porém, com a história real,
composta segundo os preceitos modernos e com método moderno. Assim o dizem, não
como se argumentassem ad hominem, mas
porque de fato acreditam que só em tal história se acha a verdade. Quando
escrevem também não se preocupam de insistir na própria sinceridade; já são
bastante conhecidos entre os racionalistas, já foram louvados como combatentes
sob um mesmo estandarte; e desses louvores, que um verdadeiro católico deverá
rechaçar, eles muito se lisonjeiam e se servem como de escudo contra as
censuras da Igreja. Vejamos como qualquer um deles faz praticamente semelhante
apologética. O fim que se propõe é de conduzir o homem que ainda não crê, a
sentir em si aquela experiência da
religião católica que, para os modernistas, é base da fé. Há dois caminhos
a seguir: um objetivo e o outro subjetivo. O primeiro parte do agnosticismo, e tende a demonstrar
que na religião, especialmente na católica, há tal energia vital, que obriga
todo sábio psicólogo e historiador a admitir que na sua história se esconde
alguma coisa incógnita. Para este fim
é mister provar que a religião católica, qual hoje existe, é a mesma fundada
por Cristo, ou melhor, é o progressivo desenvolvimento da semente a que Cristo
deu origem. Convém, por conseguinte, antes de tudo, determinar qual seja essa
semente. Pretendem eles fazê-lo pela seguinte fórmula: Cristo anunciou a vida
do reino de Deus, a realizar-se em breve, sendo ele o seu Messias, isto é, o
executor e o organizador mandado por Deus. Depois disto convirá demonstrar como
essa semente, sempre imanente na
religião católica e permanente,
devagar e a passo com a história se foi desenvolvendo e adaptando às
sucessivas circunstâncias, assimilando vitalmente
tudo o que nas mesmas lhe apresentavam de útil às formas doutrinais, cultuais,
eclesiásticas; superando ao mesmo tempo os obstáculos, desbaratando os
inimigos, e sobrevindo a toda sorte de contradições e lutas. Depois que todas
estas coisas, a saber, os obstáculos, os inimigos, as perseguições, os
combates, bem como a vitalidade e fecundidade da Igreja, se tiverem mostrado
tais que, conquanto na história da mesma se vejam observadas as leis da evolução,
todavia não são bastantes ainda para uma explicação cabal, virá pela frente
o incógnito, que se apresentará por
si mesmo. Assim dizem eles. Contudo, em todo este raciocinar há uma coisa que não
percebem; que aquela determinação da semente primitiva é fruto exclusivo do apriorismo
do filósofo agnóstico e evolucionista, e que a própria semente é por ele tão
gratuitamente definida, que deveras parece convir à sua causa.
Mas esses apologetas, ao passo que com os referidos argumentos procuram asseverar e persuadir a religião católica, também por outra parte concedem que ela contém muitas coisas que desagradam. E também, com um prazer mal disfarçado, publicamente propalam que também em matéria dogmática encontram erros e contradições; não obstante acrescentarem que tais erros e contradições só merecem desculpas, mas, e é o que mais se admira, devem ser legitimados e justificados. Assim também nas Sagradas Escrituras, afirmam-no, ocorrem muitos erros em matéria científica e histórica. Mas aqueles livros, acrescentam, não tratam de ciência ou história, e sim de religião e de moral. A ciência e a história ali são meros invólucros, que contornam as experiências religiosas e morais, para mais facilmente se divulgarem no povo; e como este povo não poderia entender de outro modo, não lhe seria vantajoso, porém nocivo, estar de posse de uma ciência ou de uma história mais perfeita. Demais, continuam a dizer, os livros sagrados, porque religiosos por natureza, têm necessariamente a sua vida; a vida também por sua vez tem a sua verdade e a sua lógica, certamente diversa da verdade e da lógica racional, e até mesmo de ordem assaz diversa, a saber: é verdade de comparação e proporção, quer com o ambiente em que se vive, quer com o fim para que se vive. Chegam enfim a tal extremo, que se abalançam a afirmar, sem a menor restrição, que tudo o que se explica pela vida é verdadeiro e legítimo. – Nós, Veneráveis Irmãos, para quem a verdade é uma e única, e consideramos os livros sacros como escritos por inspiração do Espírito Santo e tendo Deus por autor (Conc. Vat. I De Ver. C.2), afirmamos que isto equivale a atribuir a Deus a mentira de utilidade ou oficiosa; e com as palavras de Santo Agostinho protestamos que, uma vez admitida em excelsa autoridade qualquer mentira oficiosa, não haverá nem uma pequena parte daqueles livros que, parecendo a alguém difícil de praticar ou incrível de crer, com a mesma perniciosíssima regra não seja atribuída a conselho ou utilidade do mendaz autor (Epíst. 28). E daí resultará o que o Santo Doutor acrescenta: Neles, isto é, nos livros sacros, cada um dará crédito ao que quiser, e rejeitará o que não lhe agradar. Mas esses apologetas não se preocupam com isto. Concedem ainda que nos livros sacros para sustentar uma doutrina qualquer, se acham por vezes razões que não se apóiam em nenhum razoável fundamento; a estes gêneros pertencem as que se fundam nas profecias. Contudo eles também como artifício de pregação, que são legitimados pela vida. Que mais? Concedem, pior ainda, sustentam que o próprio Jesus Cristo errou manifestamente, indicando o tempo da vinda do reino de Deus; e nem é para admirar, dizem, pois então ele ainda se achava sujeito às leis da vida! – Posto isto, que será dos dogmas da Igreja? Também estes estão cheios de evidentes contradições; mas, além de serem aceitos pela lógica da vida, não se acham em oposição com a verdade simbólica; pois, neles se trata do infinito, que tem infinitos aspectos. Enfim, tanto eles aprovam e defendem essas teorias, que não põem em dúvida em declarar que se não pode render ao Infinito maior preito de homenagens, do que afirmando acerca do mesmo coisas contraditórias! E admitindo-se a contradição, que é o que não se admitirá?
Além
dos argumentos objetivos, o crente
pode também ser disposto à fé pelos subjetivos. Para este fim os apologetas voltam-se de novo para a
doutrina da imanência. Empenham-se em
convencer o homem de que nele mesmo e nos íntimos recantos de sua natureza e de
sua vida, se oculta o desejo e a necessidade de uma religião, não já de uma
religião qualquer, mas da católica; porquanto esta, dizem, é rigorosamente requerida
(postulata) pelo perfeito desenvolvimento da vida. E sobre este ponto nos
vemos de novo obrigados a lamentar que não faltem católicos que, conquanto
rejeitem a doutrina da imanência como
doutrina, todavia se utilizam dela na apologética; e fazem-no tão
incautamente, que parecem admitir não somente certa capacidade ou conveniência
na natureza humana para a ordem sobrenatural, (o que os apologetas católicos
com as devidas restrições sempre demonstram), mas também uma estrita e
verdadeira exigência. Para sermos mais exatos, dizemos ainda que esta exigência
da religião católica é sustentada pelos modernistas mais moderados. Pois, aqueles
que podem ser denominados integralistas,
pretendem que se deve mostrar ao homem que ainda não crê, como se acha latente
dentro dele mesmo o gérmen que esteve na consciência de Cristo, e que Cristo
transmitiu aos homens. Eis aqui, Veneráveis Irmãos, sumariamente descrito o método
apologético dos modernistas, em tudo conforme com as doutrinas; e tanto o método
como as doutrinas estão cheios de erros, capazes só de destruir e não de
edificar, não de formar católicos, mas de arrastar os católicos à heresia,
mais ainda, à completa destruição de toda religião!
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