PASCENDI
DOMINICI GREGIS (cont.)
O
modernista teólogo
Já é tempo, Veneráveis Irmãos, de passarmos a considerar os modernistas no campo teológico. Empenho árduo este, mas em poucas palavras diremos tudo. O fim a alcançar é a conciliação da fé com a ciência, ficando porém sempre incólume a primazia da ciência sobre a fé. Neste assunto o teólogo modernista se utiliza dos mesmos princípios da imanência e do simbolismo. Eis com que rapidez ele executa a sua tarefa: diz o filósofo que o princípio da fé é imanente; acrescenta o crente que esse princípio é Deus; conclui pois o teólogo: logo Deus é imanente no homem. Disto se conclui a imanência teológica. Outra adaptação: o filósofo tem por certo de que as representações da fé são puramente simbólicas; o crente afirma que o objeto da fé é Deus em si mesmo; conclui pois o teólogo: logo as representações da realidade divina são simbólicas. Segue-se daqui o simbolismo teológico. São erros enormes deveras; e quanto sejam perniciosos vamos ver de um modo luminoso, observando-lhes as conseqüências. E para falarmos desde já do simbolismo, como os símbolos são: símbolos com relação ao objeto, e instrumentos com relação ao crente, dizem os modernistas que o crente, antes de tudo, não deve apegar-se demais à fórmula, que deve servir-lhe só no intuito de unir-se com a verdade absoluta, que a fórmula ao mesmo tempo revela e esconde; isto é, esforça-se por exprimi-la, sem jamais o conseguir. Querem, em segundo lugar, que o crente use de tais fórmulas tanto quanto lhe forem úteis, porquanto elas são dadas para auxílio e não para embaraço; salvo porém o respeito que, por motivos sociais, se deve às fórmulas pelo público magistério julgadas aptas para exprimir a consciência comum, e enquanto o mesmo magistério não julgar de outro modo.
Falamos
até agora da origem e natureza da fé. Mas, como são muito os frutos da mesma,
sendo os principais a Igreja, o dogma, o culto, os livros sagrados, também a
respeito destes devemos saber o que dizem os modernistas. Começando pelo dogma,
já sabemos, pelo que ficou dito, qual seja a sua origem e natureza. O dogma
nasce da necessidade que o crente experimenta de elaborar o seu pensamento
religioso, a fim de tornar sempre mais clara a sua consciência e a de outrem.
Consiste todo esse trabalho em esquadrinhar e polir a fórmula primitiva, não por certo em si mesma e racionalmente, mas
segundo as circunstâncias ou, como de modo pouco inteligível dizem, vitalmente.
O resultado disto é que, como já dissemos, ao redor da mesma se vão formando fórmulas secundárias,
que mais tarde sintetizadas e reunidas em um único todo doutrinal, quando forem
ratificadas pelo magistério público como correspondentes a consciência comum, são chamados dogmas. Destas devem cuidadosamente
distinguir-se as investigações teológicas; as quais porém, posto que não
vivem da vida do dogma, contudo não são inúteis, seja para harmonizar a
religião com a ciência e dissipar qualquer contraste entre elas, seja para
iluminar a religião e defendê-la; e talvez ainda tenham a utilidade de
preparar um futuro dogma. Do culto não haveria muito que dizer, se debaixo
deste nome não se achassem também os Sacramentos, a respeito dos quais muito
erram os modernistas. Pretendem que o culto resulta de um duplo impulso; pois
que, como vimos, pelo seu sistema, tudo se deve atribuir a íntimos impulsos. O
primeiro é dar à religião, alguma coisa de sensível; o segundo é a
necessidade de propagá-la, coisa esta que se não poderia realizar sem uma
certa forma sensível e sem atos santificantes, que se chamam Sacramentos. Os
modernistas, porém, consideram os Sacramentos como meros símbolos ou sinais,
bem que não destituídos de eficácia. E para indicar essa eficácia,
servem-lhes de exemplo certas palavras que facilmente vingam, por terem
conseguido a força de divulgar certas idéias de grande eficácia, que muito
impressionam os ânimos. E assim como aquelas palavras são destinadas a
despertar as referidas idéias, assim também o são os Sacramentos com relação
ao sentimento religioso; nada mais do que isto. Falariam mais claro afirmando
logo que os Sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé. Mas esta
proposição é condenada pelo Concílio de Trento (Sess. VII, de Sacramentis in
genere, cân.5): Se alguém disser que estes Sacramentos foram só instituídos para
nutrirem a fé, seja anátema. Já
alguma coisa ficou dito sobre a natureza e origem dos livros sagrados. Segundo a
mente dos modernistas, bem se pode defini-los uma coleção de experiências,
não por certo das que de ordinário qualquer pessoa adquire, mas das
extraordinárias e das mais elevadas que se têm dado em uma qualquer religião.
É precisamente isto que os modernistas ensinam dos nossos livros do Antigo e
Novo Testamento. Todavia,
a estas suas opiniões mui astutamente acrescentam que, embora a experiência
deva ser do tempo presente, pode assim mesmo receber matéria do passado e do
futuro, enquanto o crente pela lembrança revive o passado como se fora o
presente, ou já vive do futuro por antecipação. Deste modo se explica porque
os livros históricos e apocalípticos são computados entre os livros sagrados.
Assim pois, nestes livros, Deus fala por meio do crente; mas, como diz a
teologia modernista, só por imanência
e permanência vital.
Perguntar-lhes-emos, pois, que é feito da inspiração? Respondem-nos
que ela, a não ser talvez por uma
certa veemência, não se distingue da necessidade que o crente experimenta de
manifestar vocalmente ou por escrito a própria fé. Nota-se aqui certa semelhança
com a inspiração poética; e neste sentido um deles dizia: Deus está entre nós,
e agitados por ele nós nos inflamamos. Deste modo é que se deve explicar a
origem da inspiração dos livros sagrados. Sustentam ainda os modernistas que a
nenhuma passagem desses livros falta essa inspiração. Neste
ponto alguém poderia julgá-los mais ortodoxos do que certos exegetas recentes,
que em parte restringem a inspiração como, por exemplo, nas tais citações
tácitas. Mas isto não passa de aparências e palavras. De
fato, se segundo as leis do agnosticismo, consideramos a Bíblia um trabalho
humano, feito por homens para utilidade de outros homens, seja embora lícito ao
teólogo apelidá-la de divina por imanência,
de que modo poderia restringir-se nela a inspiração? Tal
inspiração, de fato, admitem-na os modernistas; não, porém, no sentido católico. Maior
extensão de matéria nos oferece o que os modernistas afirmam da Igreja.
Pressupõem que ela é fruto de uma dupla necessidade,
uma no crente, principalmente naquele que, tendo tido alguma experiência
original e singular, precisa comunicar a outrem a própria fé; outra na coletividade,
depois que a fé se tornou comum a muitos, para se reunir em sociedade, e
conservar, dilatar e propagar o bem comum. Que é, pois, a Igreja? É um parto
da consciência coletiva, isto é, da coletividade das consciências
individuais que, por virtude da permanência
vital, estão todas pendentes do primeiro crente, que para os católicos foi
Cristo. Ora, toda sociedade precisa de uma autoridade que a reja, e cujo mister
seja dirigir os membros para o fim comum e conservar com prudência os elementos
de coesão, que em uma sociedade religiosa são a doutrina e o culto. Há, por
isso, na Igreja Católica uma tríplice autoridade: disciplinar,
dogmática e cultural. A natureza
desta autoridade deve ser deduzida da sua origem; e da natureza, por sua vez,
devem coligir-se os direitos e os deveres. Foi erro das eras passadas pensar-se
que a autoridade da Igreja emanou de um princípio estranho, isto é,
imediatamente de Deus; e por isto, com razão era ela considerada autocrática.
Estas teorias, porém, já não são para os tempos que correm. Assim
como a Igreja emanou da coletividade das consciências, a autoridade emana
virtualmente da mesma Igreja. A autoridade, portanto, da mesma sorte que a
Igreja, nasce da consciência religiosa, e por esta razão fica dependente da
mesma; e se faltar a essa dependência, torna-se tirânica. Nos tempos que
correm o sentimento de liberdade atingiu o seu pleno desenvolvimento. No estado
civil a consciência pública quis um regime popular. Mas a consciência do
homem, assim como a vida, é uma só. Se, pois, a autoridade da Igreja não quer
suscitar e manter uma intestina guerra nas consciências humanas, há também
mister curvar-se a formas democráticas; tanto mais que, se o não quiser, a hecatombe será iminente. Loucura seria
crer que o vivo sentimento de liberdade, ora dominante, retroceda. Reprimindo
e enclausurando com violência, transbordará mais impetuoso, destruindo
conjuntamente a religião e a Igreja. São estes os raciocínios dos modernistas
que, por isto, estão todos empenhados em achar o modo de conciliar a autoridade
da Igreja com a liberdade dos crentes. Acresce
ainda que não é só dentro do seu recinto que a Igreja tem com quem
entender-se amigavelmente, mas também fora. Não se acha ela só no mundo a
ocupá-lo; ocupam-no também outras sociedades, com as quais não pode deixar de
tratar e de relacionar-se. Convém, pois, determinar quais sejam os direitos e
os deveres da Igreja para com as sociedades civis; e bem se vê que tal
determinação deve ser tirada da
natureza da mesma Igreja, tal qual os modernistas no-la descreveram. As
regras que hão de servir para este fim são as mesmas, que acima serviram para
a ciência e a fé. Tratava-se então de objetos,
aqui de fins. Assim pois, como por
causa do objeto se disse que a fé e a ciência são mutuamente estranhas,
também o Estado e a Igreja são estranhos um à outra, por causa do fim a que
tendem, temporal para o Estado, espiritual para a Igreja. Falava-se outrora do
temporal sujeito ao espiritual, de questões mistas,
em que a Igreja intervinha qual senhora e rainha, porque então se tinha a
Igreja como instituída imediatamente por Deus,
enquanto autor da ordem sobrenatural. Mas estas crenças já não são
admitidas pela filosofia, nem pela história. Deve, portanto, a Igreja
separar-se do Estado, e assim também
o católico do cidadão. E é por este motivo que o católico, não se
importando com a autoridade, com os desejos, com os conselhos e com as ordens da
Igreja, e até mesmo desprezando as suas repreensões, tem direito e dever de
fazer o que julgar o mais oportuno ao bem da pátria.
Querer, sob qualquer pretexto, impor ao cidadão uma norma de proceder,
é por por parte do poder eclesiástico verdadeiro abuso, que se deve repelir
com toda a energia. - Veneráveis Irmãos, as teorias de que dimanam todos estes
erros são as mesmas que o Nosso Predecessor Pio VI condenou solenemente na
Constituição apostólica Auctorem fidei
(Prop. 2. A proposição que afirma que o poder foi dado por Deus à Igreja,
para que fosse comunicado aos Pastores, que são os seus ministros, para a salvação
das almas, entendida no sentido de que o poder do ministério e regime eclesiástico
passa da comunidade dos fiéis para os pastores: é heresia. Prop. 3. Também
aquele que afirma que o Romano Pontífice é chefe ministerial, entendida no
sentido de que, não de Cristo na pessoa do bem-aventurado Pedro, mas da Igreja
recebeu como sucessor de Pedro, verdadeiro Vigário de Cristo e chefe de toda a
Igreja: é herética). No
entanto, à escola dos modernistas não basta que o Estado seja separado da
Igreja. Assim como a fé deve subordinar-se à ciência, quanto aos elementos
fenomênicos, assim também nas coisas temporais a Igreja tem que sujeitar-se ao
Estado. Isto não afirmam talvez
muito abertamente; mas por força de raciocínio são obrigados a admiti-lo. Em
verdade, admitido que o Estado tenha absoluta soberania em tudo o que é
temporal, se suceder que o crente, não satisfeito com a religião do espírito,
se manifeste em atos exteriores, como, por exemplo, em administrar ou receber os
Sacramentos, isto já deve necessariamente cair sob o domínio do Estado. Postas
as coisas neste pé, para que servirá a autoridade eclesiástica? Visto que
esta não tem razão de ser sem os atos externos, estará em tudo e por tudo
sujeita ao poder civil. É esta inelutável conseqüência que leva muitos
dentre os protestantes liberais a desembaraçar-se de todo o culto externo e até
de toda a sociedade religiosa externa, procurando pôr em voga uma religião,
que chamam individual. E se os modernistas, desde já, não se atiram
francamente a esses extremos, insistem pelo menos em que a Igreja se deixe
espontaneamente conduzir por eles até onde pretendem levá-la e se amolde às
formas civis. Isto quanto à autoridade disciplinar.
Mais
grave e perniciosos são suas afirmações relativamente à autoridade doutrinal
e dogmática. Assim pensam eles acerca do magistério eclesiástico: a
sociedade religiosa não pode ser uma, sem unidade de consciência nos seus
membros e unidade de fórmula. Mas esta dupla unidade requer por assim dizer um
entendimento comum, a que compete achar e determinar a fórmula que melhor
corresponda à consciência comum; e a esse entendimento convém ainda atribuir
a autoridade conveniente, para poder impor à comunidade a fórmula
estabelecida. Nesta união e quase fusão da mente designadora de fórmula e da
autoridade que a impõe, acham os modernistas o conceito de magistério eclesiástico.
Visto pois que o magistério, afinal de contas, não é mais do que um produto
das consciências individuais, e só para cômodo das mesmas consciências lhe
é atribuído ofício público, resulta necessariamente que ele depende dessas
consciências, e por conseguinte deve inclinar-se a formas democráticas.
Proibir, portanto, que as consciências dos indivíduos manifestem publicamente
as suas necessidades, e impedir à crítica o caminho que leva o dogma a necessárias
evoluções, não é fazer uso de um poder dado para o bem público, mas abusar
dele. - Da mesma sorte , no próprio uso do poder deve haver modo e medida. É
quase tirania condenar um livro sem que o autor o saiba, e sem admitir nenhuma
explicação nem discussões. Ainda aqui, portanto, deve adotar-se um meio
termo, que ao mesmo tempo salve a autoridade e a liberdade. E nesse ínterim o
católico poderá agir de tal sorte que, protestando o seu profundo respeito à
autoridade, continue sempre a trabalhar à sua vontade. Em geral admoestam a
Igreja de que, sendo o fim do poder eclesiástico todo espiritual, não lhe
assentam bem essas exibições de aparato exterior e de magnificência, com que
sói comparecer às vistas da multidão. E quando assim o dizem, procuram
esquecer que a religião, conquanto essencialmente espiritual, não pode
restringir-se exclusivamente às coisas do espírito, e que as honras prestadas
à autoridade espiritual se referem à pessoa de Cristo que a instituiu. Para
concluir toda esta matéria da fé e seus diversos frutos, resta-nos por fim,
Veneráveis Irmãos, ouvir as teorias dos modernistas acerca do desenvolvimento
dos mesmos. Têm eles por princípio geral que numa religião viva, tudo deve
ser mutável e mudar-se de fato. Por aqui abrem caminho para uma das suas
principais doutrinas, que é a evolução.
O dogma, pois, a Igreja, o culto, os livros sagrados e até mesmo a fé, se não
forem coisas mortas, devem sujeitar-se às leis da evolução. Quem se lembrar
de tudo o que os modernistas ensinam sobre cada um desses assuntos, já não
ouvirá com pasmo a afirmação deste princípio. Posta a lei da evolução, os
próprios modernistas passam a descrever-nos o modo como ela se efetua. E começam
pela fé. Dizem que a forma primitiva da fé foi rudimentar e indistintamente
comum a todos os homens; porque se originava da própria natureza e vida do
homem. Progrediu por evolução vital; quer dizer, não pelo acréscimo de novas
formas, vindas de fora, mas por uma crescente penetração do sentimento
religioso na consciência. Esse mesmo progresso se realizou de duas maneiras:
primeiro negativamente, eliminando
todo o elemento estranho, como seja o sentimento de família ou de
nacionalidade; em seguida positivamente, com o aperfeiçoamento intelectual e moral do homem,
donde resultou maior clareza para a idéia divina e excelência para o sentimento
religioso. As mesmas causas que serviram para explicar a origem da fé,
explicam também o seu progresso. A estas, porém, devem acrescentar-se aqueles
gênios religiosos, a que chamamos profetas, dos quais o mais iminente foi
Cristo; seja porque eles na sua vida ou nas suas palavras tinham algo de
misterioso, que a fé atribuía à divindade, seja porque alcançaram novas e
desconhecidas experiências em plena harmonia com as exigências do seu tempo. O
progresso do dogma nasce principalmente da necessidade de vencer os obstáculos
da fé, derrotar os adversários, repelir as dificuldades. Deve-se ainda
acrescentar um contínuo esforço, para se penetrar cada vez mais nos arcanos da
fé. Deixando de parte outros exemplos, assim sucedeu com Cristo: aquilo de
divino que a fé a princípio lhe atribuía, foi-se gradualmente aumentando, até
que definitivamente foi tido por Deus. O
principal estímulo de evolução para o culto, é a necessidade de se adaptar
aos costumes e tradições dos povos e bem assim de gozar da eficácia de certos
atos, já admitidos pelo uso. A Igreja acha finalmente a razão do seu evoluir
na necessidade de se acomodar às condições históricas e às formas do
governo publicamente adotadas. Isto dizem os modernistas de cada um daqueles
princípios. E aqui, antes de passarmos adiante, queremos insistir em que se
atente nessa doutrina das necessidades,
porque ela, além do que já vimos, é como que a base e o fundamento desse
famoso método que chamam histórico. Detendo-nos
ainda na doutrina da evolução, observamos que, embora as necessidades
sirvam de estímulo para a evolução, se ela não tivesse outros estímulos
senão esses, facilmente transporia os limites da tradição, e assim desligada
do primitivo princípio vital, já não levaria ao progresso, mas à ruína.
Estudando, pois, mais a fundo o pensar dos modernistas, deve-se dizer que a
evolução é como o resultado de duas forças que se combatem, sendo uma delas
progressiva e outra conservadora. A força conservadora está na Igreja e é a
tradição. O exercício desta é próprio da autoridade religiosa, quer de
direito, pois que é de natureza de toda autoridade adstringir-se o mais possível
à tradição; quer de fato, pois que, retraída das contingências da vida,
pouco ou talvez nada sente dos estímulos que impelem ao progresso. Ao contrário,
a força que, correspondendo às necessidades, arrasta ao progresso, oculta-se e
trabalha nas consciências individuais, principalmente naquelas que, como eles
dizem, se acham mais em contato com vida.
Neste ponto, Veneráveis Irmãos, já se percebe o despontar daquela perniciosíssima
doutrina que introduz na Igreja o laicato como fator de progresso.
De
uma espécie de convenção entre as forças de conservação e de progresso,
isto é, entre a autoridade e as consciências individuais, nascem as transformações
e os progressos. As consciências individuais, ou pelo menos algumas delas,
fazem pressão sobre a consciência coletiva; e esta, por sua vez, sobre a
autoridade, obrigando-a a capitular e pactuar. Admitido isto, não é de admirar
ver-se como os modernistas pasmam por serem admoestados ou punidos. O que se
lhes imputou como culpa, consideram um dever sagrado. Ninguém melhor do que
eles conhece as necessidades das consciências, porque são eles e não a
autoridade eclesiástica, os que se acham mais em contato com elas. Julgam quase
ter em si encarnadas todas essas necessidades; daí a persuasão que têm de
falar e escrever sem medo. Nada se lhes dá das censuras da autoridade; porque
se sentem fortes com a consciência do dever, e por íntima experiência sabem
que merecem aplausos e não censuras. Nem tão pouco ignoram que os progressos não
se alcançam sem combates, nem há combates sem vítimas, como o foram os
profetas e Cristo. Ainda que a autoridade os maltrate, não a odeiam; sabem que
assim está cumprindo o seu dever. Lamentam apenas que se lhes não prestem
ouvidos, porque isto será causa de atraso ao progresso dos espíritos; mas, há
de vir a hora de se romperem as barreiras, porque as leis da evolução poderão
ser refreadas; quebradas, porém, nunca. Traçado este caminho, eles continuam;
continuam, com desprezo das repreensões e condenações, ocultando audácia
inaudita com o véu de aparente humildade. Simulam finalmente curvar a cabeça;
mas, no entanto a mão e o pensamento prosseguem o seu trabalho com ousadia
ainda maior. E assim avançam com toda a reflexão e prudência, tanto porque
estão persuadidos de que a autoridade deve ser estimulada e não destruída,
como também porque precisam de permanecer no seio da Igreja, para conseguirem
pouco a pouco assenhorear-se da consciência coletiva, transformando-a; mal
percebem porém, quando assim se exprimem, que estão confessando que a consciência
coletiva diverge dos seus sentimentos, e que portanto não têm direito de
declarar-se intérpretes da mesma. Nada,
portanto, Veneráveis Irmãos, se pode dizer estável ou imutável na Igreja,
segundo o modo de agir e de pensar dos modernistas. Para o que também não lhes
faltaram precursores, esses de quem o nosso predecessor Pio IX escreveu: estes
inimigos da revelação divina, que exaltam com os maiores louvores o progresso
humano, desejariam com temerário e sacrílego atrevimento introduzi-lo na
religião católica, como se a mesma não fosse obra de Deus, mas obra dos
homens, ou algum sistema filosófico, que se possa aperfeiçoar por meios
humanos (Enc. “Qui pluribus”, 9 de nov. de 1846). acerca da revelação
particularmente, e do dogma, os modernistas nada acharam de novo; pois, a sua
mesma doutrina, antes deles, já fora condenada no Silabo de Pio IX nestes
termos: A divina revelação é imperfeita
e por isto está sujeita a contínuo e indefinido progresso, correspondente ao
da razão humana (Syllabo, proposição condenada
5); e mais solenemente ainda a proscreve o Concílio Vaticano I por estas
palavras: A doutrina da fé por Deus
revelada, não é proposta à inteligência humana para ser aperfeiçoada, como
uma doutrina filosófica, mas é um depósito confiado à esposa de Cristo, para
ser guardado com fidelidade e declarado com infalibilidade. Segue-se pois que
também se deve conservar sempre aquele mesmo sentido dos sagrados dogmas, já
uma vez declarado pela Santa Mãe Igreja, nem se deve jamais afastar daquele
sentido sob pretexto e em nome de mais elevada compreensão (Const. “Dei
Fillius”, cap. IV). De maneira
alguma poderá seguir-se daí que fique impedida a explicação dos nossos
conhecimentos, mesmo relativamente à fé; ao contrário, isto a auxilia e
promove. Neste sentido é que o Concílio prossegue dizendo: Cresça, pois, e com ardor progrida a compreensão, a ciência, a sapiência
tanto de cada um como de todos, tanto de um só homem como de toda a Igreja com
o passar das idades e dos séculos; mas no seu gênero somente, isto é, no
mesmo dogma, no mesmo sentido, no mesmo parecer (Lugar citado).